Desvendando mitos científicos: glúten, lactose e emagrecimento

Desvendando mitos científicos: glúten, lactose e emagrecimento

Ah, os vilões do momento! Glúten e lactose. Basta jogar esses dois nomes numa roda de conversa sobre dieta e pronto: temos um tribunal montado, com réus condenados antes mesmo do julgamento. Mas será que eles realmente engordam? Será que o segredo do emagrecimento está em bani-los do prato? Como médico e pesquisador da nutrição baseada em evidências, convido você agora a tirar o jaleco da desinformação e vestir o avental do bom senso.

O que é o glúten e por que ele virou o inimigo?

O glúten é uma proteína encontrada em cereais como trigo, centeio e cevada. Ele é o responsável por dar aquela textura elástica ao pão — o charme do miolo bem macio. Mas, desde que começaram a pipocar dietas “gluten-free”, ele virou sinônimo de engorda, barriga estufada e até de conspiração industrial (sim, já vi essa teoria circulando!).

Glúten engorda?

Não, a ciência é clara: o glúten, por si só, não tem propriedades que causem aumento de gordura corporal. O que engorda é o excesso calórico, simples assim. Um pãozinho pode até ter glúten, mas também tem calorias derivadas de carboidratos e às vezes de gorduras adicionadas. E vamos combinar que o problema raramente está no glúten, mas no recheio do pão — aquela margarina generosa ou o embutido ultra processado.

Em um estudo publicado no Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, foi observado que dietas sem glúten geralmente resultam em ganho de peso, não emagrecimento, porque os substitutos do trigo tendem a ser mais calóricos e menos nutritivos.

Quem deve realmente evitar o glúten?

Existem três grupos principais que devem cortar o glúten da dieta:

  • Pessoas com doença celíaca: uma condição autoimune em que o glúten danifica o intestino delgado. É grave, é real, e o único tratamento é a exclusão total do glúten.
  • Pessoas com sensibilidade ao glúten não celíaca: apresentam sintomas gastrointestinais ao ingerir glúten, apesar de não terem doença celíaca.
  • Indivíduos com alergia ao trigo: diferente da celíaca, é uma reação alérgica imediata a proteínas do trigo, incluindo o glúten.

Se você não pertence a esses grupos, cortar o glúten por moda ou por “dica da influencer” pode ser um tiro no pé — ou melhor, no intestino e no cérebro, porque o glúten em si não tem culpa nenhuma pela balança não descer.

E a lactose, doutor? Posso tomar leite ou vai sabotar minha dieta?

Agora é a vez da lactose, o açúcar natural do leite, ser interrogada sob os holofotes da nova geração de dietas. Tem gente que condena o leite como se ele fosse um líquido demoníaco que congestiona artérias e infla pneuzinhos. Respira fundo e vem com o tio Álvaro aqui — com base em evidência, claro.

Lactose acumula gordura?

Não diretamente. O mecanismo é o mesmo: o que causa acúmulo de tecido adiposo é o consumo calórico acima do gasto. O leite integral, por exemplo, possui um pouco mais de gordura do que o desnatado, o que pode elevar a densidade energética da ingestão total.

Mas isso significa que leite ou derivados engordam? Não. Aliás, revisões sistemáticas (a rainha das evidências científicas) mostram que o consumo de laticínios pode até ajudar no emagrecimento, especialmente os fermentados, como iogurte natural e kefir, que são ricos em probióticos associados à regulação intestinal e ao metabolismo.

Quem deve evitar a lactose?

  • Intolerantes à lactose: apresentam dificuldade em digerir esse açúcar, gerando gases, distensão abdominal e cólicas após o consumo.
  • Pessoas com problemas intestinais específicos, como síndrome do intestino irritável, que às vezes se beneficiam da redução de lactose.

Agora, o que não faz sentido cientificamente é um indivíduo sem intolerância cortar o leite “porque o pessoal da academia disse que faz barriga”. Esse tipo de raciocínio ignora completamente conceitos básicos de fisiologia e nutrição.

Mas então o glúten e a lactose não atrapalham o emagrecimento?

Depende. Eu sei, resposta de médico. Mas é verdade. Se você tem sensibilidade ou intolerância, o desconforto gerado por esses alimentos pode afetar sua qualidade de vida e indireta ou diretamente seus hábitos alimentares. Nesse caso, o ajuste é válido — com acompanhamento, claro.

Agora, se você os evita apenas porque acredita que “todo mundo emagrece mais rápido sem glúten e lactose”, lamento informar: provavelmente está sendo vítima de pseudociência gourmet.

O que realmente contribui para o emagrecimento sustentável?

  1. Déficit calórico controlado e monitorado.
  2. Consumo de alimentos minimamente processados.
  3. Prática regular de atividade física aeróbica e de resistência.
  4. Hidratação adequada.
  5. Qualidade do sono e controle do estresse.

Se você seguir esses princípios, pode até manter o pão francês no café da manhã e o queijo branco no lanche da tarde — e ainda assim emagrecer de forma saudável.

Conclusão: saia das dietas de exceção e abrace a ciência

O apelo de dietas restritivas é compreensível: elas prometem resultados rápidos e fáceis. Mas a biologia humana não funciona por decreto populista. O que funciona — e funciona mesmo — é uma abordagem individualizada, com base em evidências reais. Cortar glúten e lactose sem necessidade é como tentar trocar o motor do carro porque o pneu está murcho.

E se tem uma coisa que aprendi em mais de 20 anos de consultório, é que boas escolhas sustentáveis valem mais do que restrições passageiras. Ao invés de rotular alimentos, aprendamos a compreender seu papel numa dieta equilibrada.

Emagrecer com saúde é possível, sim. Basta deixar o modismo de lado e caminhar com a ciência como bússola. No fim das contas, ela é a única que não nos engana.

Publication date:
Author: Dr. Álvaro Menezes da Silva
Médico endocrinologista com mais de 35 anos de experiência, professor universitário e pesquisador com reconhecimento internacional na área de metabolismo e obesidade. Defensor da integração entre ciência, cultura e bem-estar, desenvolveu abordagem inovadora de reeducação alimentar com ênfase comportamental.

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