Set point: seu corpo tem um peso programado? A visão científica atual

Set point: seu corpo tem um peso programado? A visão científica atual

Você já se perguntou por que algumas pessoas parecem manter o mesmo peso por anos, mesmo sem fazer grandes esforços? Ou por que recuperar os quilos perdidos em uma dieta parece ser tão mais fácil do que perdê-los? Meu nome é Dr. Álvaro Menezes da Silva, médico endocrinologista com foco em obesidade e metabolismo, e hoje vamos explorar uma das teorias mais debatidas da ciência do emagrecimento: o conceito de set point corporal.

A ideia de que o corpo humano possua uma espécie de “peso ideal programado” soa intrigante, quase conspiratória. Mas será que tem base científica ou é só mais uma desculpa para o fracasso das dietas? Respire fundo, ajeite a postura e prepare-se para entender como a fisiologia, neurociência e evolução se entrelaçam nessa história.

O que é o set point?

O set point é uma teoria que propõe que o peso corporal é regulado por um mecanismo biológico que tende a manter uma faixa de peso relativamente estável ao longo do tempo. Esse ponto de equilíbrio seria determinado por fatores genéticos e biológicos que controlam a fome, o gasto energético e a taxa metabólica.

Imagine um termostato: quando a temperatura cai, o aquecedor liga; quando esquenta demais, ele desliga. O corpo faria algo parecido com o peso. Ao perder quilos, ele reagiria aumentando o apetite e diminuindo o metabolismo. Ao ganhar, aumentaria o gasto energético e reduziria a fome. Esse sistema busca proteger você da escassez e do excesso — uma herança evolutiva útil nos tempos das cavernas… mas nem tanto hoje com aplicativos de delivery e comida ultraprocessada a um clique de distância.

Como o corpo “sabe” qual é o set point?

Esse processo é regulado por circuitos neurais no hipotálamo, uma estrutura cerebral que atua como torre de controle do apetite e do metabolismo. Diversos hormônios influenciam esse sistema:

  • Leptina: produzida pelas células de gordura, sinaliza ao cérebro que há energia armazenada.
  • Grelina: conhecida como o “hormônio da fome”, estimula o apetite quando o estômago está vazio.
  • Insulina: além de controlar açúcar no sangue, também participa da regulação da gordura corporal.

Esses hormônios interagem entre si e com outras substâncias, como o neuropeptídeo Y e a melanocortina, para compor um sistema complexo que influencia o quanto comemos, quanta energia gastamos e, portanto, em que faixa de peso nos mantemos.

A ciência confirma o set point?

Os estudos confirmam parcialmente a teoria do set point, mas o debate ainda é intenso. Pesquisas longitudinais indicam que mesmo após emagrecimentos significativos — como em dietas ou cirurgias bariátricas — o corpo segue lutando para voltar ao peso anterior. Isso pode ocorrer por um aumento duradouro do apetite e queda no gasto energético de repouso.

Um exemplo marcante é o estudo com ex-participantes do reality show “The Biggest Loser”, publicado no Obesity Journal. Seis anos após o programa, os participantes haviam recuperado boa parte do peso perdido. Além disso, suas taxas metabólicas continuavam mais baixas do que o esperado, o que sugeriria um ponto de ajuste biológico programado.

Set point ou settling point?

Alguns pesquisadores, no entanto, sugerem que o termo settling point pode ser mais adequado. Essa abordagem defende que o peso é resultado de uma interação dinâmica entre genética, hábitos alimentares e ambiente, e não de um ponto fixo predefinido. Assim, não haveria um peso predeterminado, mas sim uma faixa onde o corpo se “acomoda” dadas as condições atuais.

O papel da epigenética

A ciência também começou a investigar a influência da epigenética — as mudanças na expressão dos genes causadas por fatores ambientais — no controle de peso. Estresse crônico, sono irregular, poluição e alimentação ultraprocessada podem influenciar epigeneticamente os genes relacionados ao metabolismo, afetando o tal set point.

É possível mudar o set point?

A boa notícia é que, apesar da resistência do corpo à perda de peso, as evidências sugerem que o set point pode ser alterado — mas lentamente, e com consistência. Dietas radicais tendem a disparar o alarme biológico de escassez. Já estratégias sustentáveis, que promovem emagrecimento gradual com mudanças duradouras de estilo de vida, são mais eficazes a longo prazo.

Como “reajustar” seu set point

Embora não exista protocolo universal, algumas práticas têm respaldo científico para promover uma regulação positiva do peso corporal:

  1. Alimentação balanceada: rica em fibras, proteínas magras e gorduras saudáveis, com baixo teor de alimentos ultraprocessados.
  2. Atividade física regular: exercícios, especialmente os de força, ajudam a preservar massa magra e manter o metabolismo ativo.
  3. Sono de qualidade: privação de sono altera níveis de leptina e grelina, desequilibrando o controle da fome.
  4. Gestão do estresse: cortisol alto está associado ao acúmulo de gordura abdominal e ao aumento do apetite.

Essas práticas não apenas favorecem a perda de peso, mas também instauram um novo equilíbrio metabólico. Com o tempo, o corpo pode “aceitar” esse novo peso como seu novo ponto de ajuste.

O que a ciência ainda precisa investigar

A teoria do set point não é um destino imutável. É uma peça de um quebra-cabeça mais amplo, que envolve genética, ambiente, comportamento e circunstâncias sociais. Ainda precisamos entender melhor como fatores como microbiota intestinal, hormônios intestinais (como GLP-1) e até exposições intrauterinas moldam esse sistema a longo prazo.

Tratar o excesso de peso como uma falha de força de vontade é não apenas ultrapassado, mas irresponsável. A fisiologia humana é muito eficiente em defender o que ela percebe como estado de equilíbrio — mesmo quando esse equilíbrio inclui sobrepeso ou obesidade.

Conclusão: lutar contra o corpo ou trabalhar com ele?

Compreender a teoria do set point muda o foco da batalha individual para uma abordagem mais compassiva, científica e estratégica. O corpo humano tem mecanismos de defesa contra a perda de peso? Sim. Mas eles não são invioláveis.

O segredo não é vencer o corpo, mas persuadi-lo. E como todo bom negociador sabe, você vai precisar de argumentos sólidos, tempo e paciência para que ele reconsidere suas exigências.

Na ciência do emagrecimento, o set point não é uma sentença — é um ponto de partida para compreender, adaptar e transformar o seu metabolismo com inteligência e respeito pela biologia.

Publication date:
Author: Dr. Álvaro Menezes da Silva
Médico endocrinologista com mais de 35 anos de experiência, professor universitário e pesquisador com reconhecimento internacional na área de metabolismo e obesidade. Defensor da integração entre ciência, cultura e bem-estar, desenvolveu abordagem inovadora de reeducação alimentar com ênfase comportamental.

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