Mãe solo e trabalhador de obra: como a marmita comunitária mudou vidas em um bairro de Salvador

Mãe solo e trabalhador de obra: como a marmita comunitária mudou vidas em um bairro de Salvador

Era quase meio-dia quando Dona Marlene amarrou o pano de prato no ombro e abriu a tampa da panela com o orgulho de quem serve buffet cinco estrelas. Na cozinha comunitária do bairro São Cristóvão, em Salvador, revolucionou-se mais que o cardápio: transformaram-se histórias, lares e até a esperança de dias mais leves, mesmo quando o arroz é só com cenoura e cheiro-verde.

Essa é uma daquelas histórias que não cabem numa manchete, porque a força dela mora nos detalhes. Eu, Cláudia Regina dos Santos — baiana arretada, filha de Iansã e repórter de coração quente —, fui até lá conhecer de perto como uma marmita, feita com amor coletivo, virou solução real para quem sentia não só fome de comida, mas de acolhimento.

Um bairro esquecido, mas cheio de gente guerreira

São Cristóvão se estende ali perto do aeroporto de Salvador, rodeado de vilas, becos e o som constante de crianças correndo descalças. É um lugar onde a renda aperta, a água falta e o improviso reina. Mas também é onde mora um povo que sorri com o olho, abraça sem cerimônia e não deixa ninguém passar necessidade em silêncio.

Foi nesse cenário que nasceu o projeto Marmita Solidária da Resistência, idealizado por mulheres que cansaram de ver os vizinhos comendo só farinha com margarina. Entre elas está Joelma, 38 anos, mãe solo de três crianças e cozinheira de mão cheia. “Fiquei desempregada na pandemia, mas a barriga dos meus filhos não entendeu o isolamento”, me contou ela, enquanto picava berinjela como quem destrincha problemas.

Da panela vazia ao fogão cheio de afeto

No começo era só Joelma, um fogãozinho de duas bocas e doações de arroz aqui, feijão ali. Mas em poucos meses, outras mulheres chegaram pra somar. Dona Marlene, aposentada com salário mínimo e coração do tamanho do Bonfim, doava verduras da horta do quintal. Nilda, diarista sem agenda cheia, virava e mexia aparecia com um pacote de macarrão.

O poder dessa rede fez com que hoje, toda terça e quinta, saiam daquela cozinha cerca de 120 marmitas quentinhas. E não é só arroz e feijão não, viu? Tem purê de abóbora, carne moída com legumes, salada de repolho… e, sempre que dá, um bolinho de banana pra alegrar o céu da boca.

Mudança que vai além do estômago cheio

Conheci Seu Adalberto, pedreiro de 58 anos, que me recebeu com a mão calejada e um sorriso tímido. Ele virou frequentador das marmitas quando o serviço diminuiu e o dinheiro começou a falhar. “Eu nunca fui de pedir nada, moça. Mas quando cheguei aqui, não teve julgamento, só prato na mão e conversa boa. Mudou minha cabeça”, desabafou.

Mais que alimento, a marmita comunitária serviu laços. Ali, gente que antes só se cruzava na rua agora troca receita, oferta carona para entrevista de emprego e até costura uniforme de escola. “A gente esqueceu como é bom viver em comunidade, dividir sonho, tropeço, esperança”, me disse Joelma, com os olhos marejados.

Uma marmita pode ser política?

Olha, minha gente, pode sim — e muito. Porque dar de comer a quem tem fome não é só caridade, é um ato de justiça social. É mostrar que a fome não é escolha e que quem tá na linha da frente não é preguiçoso, é sobrevivente.

As mulheres da Marmita Solidária começaram a frequentar reuniões de bairro, cutucar vereador, cobrar posto de saúde. Porque onde brota comida, cresce também consciência. “A cozinha virou trincheira”, contou Nilda. E eu assino embaixo.

Desafios ainda servidos à mesa

É claro que nem tudo são flores de coentro. Falta gás, às vezes falta carne, falta transporte. Mas não falta vontade. As doações vêm de amigos, ONGs locais e até de um senhor que passa de bicicleta e traz leite em pó quando pode.

Mas o que elas precisam mesmo agora é um freezer (pra conservar melhor os produtos) e um novo forno. Então, se você, leitor, pode ajudar ou conhece quem possa, já sabe onde mora o sonho.

Por que histórias como essa importam?

Porque entre fake news e manchete trágica, a gente se acostuma a achar que não tem solução, que o mundo é uma bagunça grande demais. Mas aí chega uma história dessas, feita de pequenos atos, e mostra que a mudança existe. Que tem gente boa fazendo acontecer mesmo sem patrocínio, só com farinha e fé.

E mais: mostra que o emagrecimento — que é tema central aqui no SlimUp — também pode nascer de escolhas saudáveis com afeto. Tem criança que nunca tinha provado uma abobrinha decente e agora pede brócolis. Tem adulto que começou a caminhar depois do almoço pra ajudar na digestão. Não é sobre dieta da moda, é sobre alimentação digna com consciência de comunidade.

Palavras que ficam

  • Solidariedade é ação concreta. Não é só querer ajudar, é levantar e fazer. Nem que seja um quilo de arroz no portão.
  • Fome não espera, e quem tem fome tem pressa. Mas também tem nome, sonho, talento e história.
  • Organização popular funciona — quando feita por quem sente na pele a urgência.

Eu fui até São Cristóvão achando que tava indo ouvir uma história de doação. Voltei com a alma aquecida e a certeza de que a marmita comunitária é a revolução mais silenciosa e potente que esse país precisa.

Quer ajudar esse ou outros projetos como esse na sua cidade? Comece perguntando na sua associação de bairro, comunidade de fé, ou até no grupo de zap da vizinhança. Toda grande mudança começou com uma panela no fogo e o coração gracioso. Axé e até a próxima coluna.

Publication date:
Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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