‘Achei que fome era fraqueza, era vício’: relato de Almir, ex-dependente de comida ultraprocessada

‘Achei que fome era fraqueza, era vício’: relato de Almir, ex-dependente de comida ultraprocessada

Quando Almir Batista, de 42 anos, finalmente entendeu que sua fome constante não era apenas um sinal de fraqueza de vontade, mas o sintoma de um vício invisível chamado ultraprocessado, sua vida começou a mudar. E não pense que foi fácil. Ele perdeu 36 quilos, sim, mas o mais impressionante foi o que ele ganhou: liberdade.

Essa é uma história de vida, de luta e de recomeço. É também um convite à reflexão: o que estamos comendo e por quê?

Uma história comum e, por isso mesmo, urgente

Almir é mineiro, de uma cidadezinha próxima a Juiz de Fora. Trabalha como técnico de informática e sempre foi um cara inteligente, gentil e bem-humorado. Cresceu rodeado por alimentos simples, comida feita em casa, fogão a lenha, cheiro de alho dourando na manteiga. Mas com o tempo – e com a correria do trabalho e da vida adulta –, a praticidade venceu os temperos.

“No café da manhã era sempre aquele pão de forma com presunto e queijo. Almoço, quando dava, era marmita industrial. Tarde, salgadinho com refrigerante. E à noite… Aí virava um rodízio de congelados. Achava que estava apenas cansado, sem tempo. Mas era bem mais profundo do que isso.”

O corpo dá sinais — e a gente ignora

Almir começou a engordar aos poucos. Primeiro a calça social ficou apertada, depois veio o refluxo, a pressão alta, a insônia. O estômago “roncava” o tempo inteiro. Mas ele achava normal. Afinal, quem, hoje em dia, não vive com fome?

“Eu comia e dali a meia hora já tava pensando na próxima refeição. E nem era comida de verdade. Era sempre um pacote, uma embalagem. No mercado, eu ia direto nos corredores coloridos: biscoito recheado, macarrão instantâneo, nuggets, sorvete de creme com caramelo e ‘pedaços crocantes’. Eu brincava que ‘não tenho salvação não, só reza forte’.”

O que Almir não sabia ainda era que aquela “fome” não era biológica. Era química. Era emocional. Era dependência.

O clique: um documentário e uma madrugada em claro

Foi numa madruga insone, entre um gole de refrigerante e um punhado de cereal com sabor de chocolate, que Almir assistiu a um documentário sobre alimentos ultraprocessados. E tudo começou a fazer sentido.

“Eu levei um choque. Aquilo tudo que eu comia, dia após dia, com nomes difíceis e cheios de promessas na embalagem… era exatamente o que estavam dizendo que causava apetite compulsivo, ansiedade e até depressão. Me vi ali. Era viciado em comida fabricada em laboratório, e nem sabia.”

Entendendo o conceito de comida ultraprocessada

Segundo a Organização Mundial da Saúde, alimentos ultraprocessados passam por diversos processos industriais e contêm ingredientes que você não encontra numa despensa de casa: gordura hidrogenada, corantes artificiais, realçadores de sabor, emulsificantes. São produtos desenvolvidos para viciar. E fazem isso muito bem.

“É como se o seu cérebro ficasse gritando ‘mais, mais, mais’. Você não come por fome, come por abstinência. O problema é que a gente cresce achando que vontade é fraqueza. Ninguém te ensina que comida também pode ser uma droga.”

A reabilitação de um paladar aprisionado

O processo de mudança foi lento e solitário. Almir não tinha um plano de saúde, nem condições de pagar nutricionista. Começou a ler e pesquisar por conta própria. E foi na alimentação natural – arroz, feijão, legumes, frutas – que encontrou sua salvação.

“Comecei pelas trocas mais simples. Troquei o pão de forma por pão integral de verdade. Depois veio o fim dos refrigerantes, que foi a maior batalha. Substituí pelo bom e velho café coado e muita água. Enchi a geladeira de comida de verdade, voltei pras panelas. Foi cansativo, mas libertador.”

Redescobrindo o sabor das coisas simples

Almir conta que no início sentia tudo “sem gosto”. Mas, ao longo de três meses, seu paladar foi se reeducando. “Hoje, uma banana madura me satisfaz mais do que qualquer doce industrial. Um purê de abóbora com alho e azeite é meu ponto fraco. É louco pensar que antes eu virava o rosto pra isso.”

Ele também passou a fazer caminhadas pela manhã e a usar um diário alimentar, que o ajudava a identificar gatilhos emocionais que provocavam compulsões, como estresse, frustração ou tédio.

O peso foi embora; o autocuidado ficou

Em um ano, Almir perdeu 36 quilos. Mas ganhou algo muito mais importante: respeito por si mesmo.

“Entendi que não era uma questão de força de vontade, era uma questão de consciência. Nosso corpo sabe o que precisa. Mas se você bombardeia ele com química e distrações baratas, ele se perde. Eu me perdi. Mas, felizmente, me achei.”

Mensagem para quem está começando

Hoje, Almir compartilha sua experiência em grupos nas redes sociais, apoiando outras pessoas que enfrentam o mesmo caminho. Ele fala com empatia, sem julgamento. Afinal, esteve lá.

“Você não é fraco. Você está sendo enganado todos os dias pelas cores, pelos cheiros artificiais, pela conveniência. Faça uma escolha por dia. Comece pequeno. Um copo de água numa manhã. Uma fruta na lancheira. Um ‘não’ ao biscoito recheado. Aos poucos, a libertação vem.”

Ninguém precisa vencer sozinho

A história de Almir não é um conto de fadas com final feliz. É um processo contínuo, uma construção diária. Mas é real. E é possível. Ele reforça: pedir ajuda, se informar e entender a si mesmo é essencial.

“Não é sobre ter um corpo magro. É sobre ter uma mente livre. Saber que eu posso passar em frente aos corredores do supermercado sem ser puxado por impulsos é uma vitória maior do que qualquer número na balança.”

Se você se identificou com essa história, procure orientação de profissionais da saúde, leia os rótulos com atenção, e acima de tudo, tenha compaixão por si mesmo. A jornada pode ser desafiante, mas com cada escolha consciente, você volta a ter controle da sua vida.


Cláudia Regina dos Santos escreve sobre gente. Sobre vidas reais, dores reais e conquistas que não cabem em rótulos. Nutricionista integrativa e jornalista por paixão, acredita que cada prato carrega uma história — e que toda cura começa no afeto.

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Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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