Bariátrica no SUS: esperança para quem esperou por mais de 10 anos
Bariátrica no SUS: esperança para quem esperou por mais de 10 anos
“Foram 11 anos de espera, choros escondidos e olhares julgadores na fila do mercado. Mas hoje, eu renasci.” Essas foram as primeiras palavras de Janaína*, 41 anos, quando a entrevistei. Uma mulher de sorriso tímido, olhos expressivos e um abraço tão caloroso que até esqueci por um segundo que estava ali para ouvir uma história marcada por luta. A dela — e de tantos outros brasileiros e brasileiras como ela — que encontraram na cirurgia bariátrica pelo SUS não só um procedimento médico, mas uma porta para a vida.
Eu sou Cláudia Regina dos Santos, jornalista, mãe solo, defensora das causas públicas e, como gosto de dizer, especialista em contar histórias de quem vive do lado de cá do asfalto. Se é difícil, se mexe com o coração, eu tô dentro. Hoje, vamos juntos mergulhar num assunto sério, mas com alma: o acesso à bariátrica pelo Sistema Único de Saúde e o que isso significa para quem enfrentou uma espera de mais de uma década.
Uma fila invisível à maioria, mas dura como concreto
Você já tentou imaginar o que é aguardar por uma cirurgia por 10 anos ou mais? Em um país onde muita gente pensa que o SUS é só para quem “não tem pra onde correr”, essas pessoas esperaram não por vaidade, mas por saúde. Obesidade grave não é só número na balança: é pressão alta, é diabetes, é joelho que não sustenta o corpo, é autoestima no chão e um cansaço que não passa nem com três noites bem dormidas.
Segundo o Ministério da Saúde, a cirurgia bariátrica está disponível pelo SUS desde 1999. Mas o acesso ainda é restrito: falta equipe, faltam centros especializados e, em muitos casos, falta olhar. O procedimento é indicado para quem tem índice de massa corporal (IMC) acima de 40, ou igual ou superior a 35 com comorbidades associadas. Só que a espera, essa fila longa sem senha visível, pode durar anos.
“Me inscrevi em 2012, quando já pesava 148 kg. Eu via amigas fazendo a cirurgia pelo plano, e qualquer tentativa de emagrecimento era frustrada. Meu médico dizia que eu precisava ter paciência. Eu quase perdi meu fígado, mas consegui. Operei em 2023”, conta Janaína, respirando fundo.
O protocolo do SUS — uma maratona chamada esperança
Antes de chegar à mesa de cirurgia, o paciente precisa cumprir uma série de etapas dentro do protocolo do SUS. E sabe por que isso existe? Porque a bariátrica é coisa séria. Não é milagre. Envolve mudança de vida, de hábitos, de mentalidade.
Vamos entender rapidinho como funciona o processo:
- Encaminhamento por um clínico geral ou endocrinologista da rede pública;
- Confirmação de quadro de obesidade grave e comorbidades (como diabetes tipo 2, apneia do sono, hipertensão arterial, entre outras);
- Acompanhamento com equipe multidisciplinar (psicólogo, nutricionista e educador físico), geralmente por no mínimo 6 meses;
- Realização de exames laboratoriais e laudos médicos;
- Inclusão na fila da cirurgia bariátrica em centros de referência habilitados;
- Aguardo e avaliação constante até chegar o dia da tão sonhada cirurgia.
Não, não é rápido. Mas é gratuito. E muitas vezes, é a única chance.
Esperar entre olhares e preconceitos
“’Poxa, mas é só parar de comer’ — eu ouvia isso quase todo dia”, me contou Carlos Alberto*, 37 anos, operado em 2022 pelo SUS, após nove anos na fila. Ele tinha mobilidade comprometida, dores crônicas e passou por duas pneumonias causadas pela apneia do sono. “A cirurgia não me deixou magro. Ela me devolveu a respiração. Hoje, eu acordo respirando.”
A sociedade ainda entende a obesidade como escolha. E esse é um fardo gigante de carregar quando você está dentro de um corpo que não responde. A cirurgia bariátrica precisa deixar de ser vista como atalho e passar a ser reconhecida como tratamento. É uma ferramenta médica, com base científica e eficácia comprovada.
Histórias que inspiram, mas também alertam
A maior parte das histórias de quem passou pela bariátrica no SUS é marcada por uma palavra: resistência. Mas também por outra que não costuma ser dita em voz alta: abandono. Muitos pacientes desistem no meio do caminho, seja porque não têm apoio psicológico, seja por dificuldade de transporte ou por não acreditarem mais na própria capacidade de superar.
Mas há os que persistem. Como a dona Neide*, 54 anos, que operou em 2021 depois de 13 anos aguardando. “Eu fiquei viúva cedo, meus filhos tinham vergonha de mim, e eu chorava todo dia na frente do ventilador para ninguém me escutar. Hoje sou voluntária, faço caminhada diária com o grupo de bariátricos e ensino receitas saudáveis pras meninas do bairro.”
Por que precisamos falar disso?
Porque saúde é um direito, não um privilégio. E acesso justo à bariátrica é uma questão de política pública, não de luxo pessoal. O SUS salva vidas todos os dias — com vacina, com remédio, com atenção básica — e sim, também com cirurgia de redução de estômago quando indicada.
O Brasil é um dos países com maiores taxas de obesidade da América Latina. Segundo dados da Vigitel 2023, mais da metade da população adulta está com sobrepeso, e 22% estão obesos. Não é uma epidemia só estética — é de saúde pública mesmo.
Final feliz ou final possível?
Terminei a entrevista com a Janaína abraçada nela. Eu, que já ouvi incontáveis histórias, que já escrevi séries inteiras sobre políticas públicas, confesso: fui embalada pelas palavras dela como um acalanto.
“Hoje, eu consigo amarrar meu cadarço. Parece bobo, né? Mas foi isso que me fez chorar no primeiro mês depois da cirurgia.”
Histórias como a dela não são apenas finais felizes. São sinais de que, quando o sistema funciona, ele muda destinos. Não resolve tudo, não apaga o sofrimento, não faz mágica. Mas oferece o que temos de mais digno: a chance de viver com saúde, respeito e autonomia.
Para refletir…
- Quantas pessoas você conhece que podem estar nessa lista de espera?
- Você sabia que pode ajudar alguém a se inscrever buscando um centro habilitado próximo?
- Será que não é hora de defendermos mais o SUS em vez de apenas criticá-lo?
Conclusão
Nem todo mundo que sonha com a bariátrica pelo SUS vai conseguir operá-la. Ainda temos falhas — várias. Mas o caminho é continuar contando essas histórias, pressionando o poder público, fortalecendo os centros de referência e, principalmente, enxergando a obesidade como uma condição médica, e não como falha de caráter.
A esperança de quem espera há mais de 10 anos não é pequena — é firme. E como diria dona Neide: “Quem planta disciplina, colhe renascimento”.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.
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