‘Perdi peso pra segurar minha sanidade’: o enfrentamento silencioso da depressão em corpos grandes
“Perdi peso pra segurar minha sanidade”: o enfrentamento silencioso da depressão em corpos grandes
Por Cláudia Regina dos Santos
Uma das mentiras mais bem contadas sobre perda de peso é de que a única motivação por trás dela é estética. A segunda mentira é que a saúde — aquela de laboratório — sempre melhora quando se emagrece. E talvez a terceira, a mais cruel de todas, é que mudar o corpo livra a alma do sofrimento. Hoje eu trago uma história que refuta essas três ideias de uma maneira dolorosa e transformadora. Uma história que poderia ser minha, da minha vizinha ou sua. Uma mulher com um corpo grande, cansada, exausta, que decidiu perder peso não para ficar bonita no espelho — mas para respirar sem turbinas internas.
Depressão, silêncio e corpos grandes
Quando a Fabiana me escreveu contando sua história, a primeira frase me atravessou: “Comecei a emagrecer quando percebi que minha depressão estava me engolindo junto com a comida.” Ela pesa as palavras com o mesmo cuidado com que pesa as porções hoje em dia. Mas o que ela me conta não tem nenhum glamour de superação. Não há foto de antes e depois com legenda de gratidão. O que há é coragem. Muita coragem de contar aquilo que a sociedade, os médicos e até nós mesmos preferimos ocultar.
“Estava tentando sobreviver emocionalmente, e meu corpo pagava a conta com os juros mais altos.” Foi essa a frase que me fez entender que Fabiana não queria apenas perder peso — ela queria voltar a sentir. E isso não tava relacionado com a quantidade de massa corporal, mas com a quantidade de trauma que ela carregava sem saber onde colocar.
Quando o corpo sufoca a alma
A depressão nem sempre se mostra com lágrima e cama. Às vezes, ela veste jaleco, receita inibidor de apetite, diz que “vai te ajudar a emagrecer pro seu bem” e se chama de bem-estar. Fabiana me contou que frequentou clínicas e consultórios por mais de 10 anos. Ninguém perguntava sobre sua saúde emocional. Eram exames, números, IMC, CETP, TSH. Mas e a pergunta mais simples: “Você está bem, de verdade?”
O desespero começou aos 34 anos. Ela descreve um momento quase cinematográfico: sentada no ônibus, a caminho do trabalho, sentiu como se estivesse afundando dentro do próprio corpo. Não era apenas o tamanho da calça 56. Era o peso invisível que tornava cada passo uma travessia de milhas. O cansaço já não se dissolvia após o descanso. Era físico, mas sobretudo emocional. “Eu não queria emagrecer para ficar bonita. Queria parar de sentir que eu estava presa numa cápsula que me impedia de viver.”
Pensar-se fora do extremo: corpo, mente e pertença
Fabiana é uma mulher preta, periférica, e cresceu ouvindo que comer era luxo. Dieta, portanto, era para quem podia. Enquanto outras meninas queriam caber em vestidos de festa de 15 anos, ela queria caber no banco do ônibus sem ouvir: “Esse lugar já tá ocupado.” O corpo grande a colocava em posição de evidência e invisibilidade simultaneamente. E isso é violência.
Em determinado ponto da conversa, ela solta: “Tive que perder peso pra segurar minha sanidade. Eu só queria… (e ela para por alguns segundos) …existir num lugar onde eu não fosse apenas um corpo pra ser corrigido.”
Ela descobriu que parte da depressão estava enraizada nessa disputa constante por espaço. Literalmente. Em poltronas, em provadores de roupa, em relações afetivas, em entrevistas de emprego. A comida era conforto, companhia, colchão de amortecimento pra pancada social. Mas também era prisão. E Fabiana decidiu não perder apenas centímetros: queria recuperar sua liberdade.
Psicoterapia, acolhimento e recomeço
O ponto de virada não foi uma dieta da moda. Foi um diagnóstico: depressão moderada com sintomas de ansiedade generalizada. Quem deu esse diagnóstico foi uma psicóloga do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) perto da casa dela. Leu seus relatos com atenção, sem interromper. E foi aí que tudo começou a fazer sentido. “Eu não era preguiçosa. Eu tava adoecida.”
Com apoio psicológico, Fabiana começou a olhar para sua relação com o corpo e a comida com mais compaixão. Não foi sobre cortar carboidrato: foi sobre incluir afeto. Sua perda de peso foi gradual, orgânica e longe dos carrosséis do Instagram. Ela caminhava porque a cabeça gritava menos quando as pernas estavam em movimento. Reduziu a ingestão de alimentos ultraprocessados não por medo de engordar, mas porque percebeu que o corpo ficava mais leve quando a alma não estava travando batalhas químicas contra si mesma.
Rotina emocional-peso não divulgada
- Fabiana faz psicoterapia quinzenalmente;
- Pratica caminhada três vezes por semana numa praça próxima de casa;
- Aprendeu a reconhecer gatilhos emocionais ligados à comida;
- Abandonou a balança — não se pesa desde 2022;
- Seu maior termômetro hoje é: “consigo respirar?”
Nem toda perda é um ganho — e tá tudo bem
É possível perder peso e continuar doente. É possível engordar e estar em estado de bem-estar. O corpo não deveria ser o único marcador da nossa saúde, física ou mental. Mas enquanto essa consciência não chega nas esferas de decisão e até dentro das nossas casas, histórias como as da Fabiana precisam ser ouvidas. Com cuidado. Sem julgamento. Com a escuta que não nos ensinaram a exercitar.
“Perdi peso, mas não ganhei aceitação — nem minha, nem dos outros. Mas, pelo menos, hoje eu consigo me ouvir em silêncio sem ter vontade de desistir.”
Eu encerro essa reportagem com os olhos marejados, mas o coração tranquilo. Porque se a Fabiana conseguiu transformar sua dor em história, talvez muitas outras consigam transformar peso em potência, não em vergonha.
Se você sofre de depressão, ansiedade, ou transtornos alimentares, procure apoio profissional
Existem diversos recursos gratuitos e acessíveis em todo o Brasil, como o SUS. O número 188, da CVV – Centro de Valorização da Vida, também está disponível 24 horas por dia para escuta e acolhimento emocional.
Seu sofrimento importa. Seu corpo não é sua culpa. Sua história vale ser contada.
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