‘Minha geladeira virou aliada’: como Elis aprendeu a planejar refeições e autoestima

“Minha geladeira virou aliada”: como Elis aprendeu a planejar refeições e autoestima

Se alguém um dia tivesse me dito que o caminho para o autoconhecimento poderia começar pela porta da geladeira, eu teria rido. Aliás, a Elis também teria. E talvez você aí do outro lado também esteja rindo agora. Mas foi exatamente assim que ela começou a reconstruir não só o seu prato — mas também a sua autoestima.

Conheci a Elis em um grupo de apoio nutricional aqui no centro de São Bernardo. Ela chegou tímida, com aquele sorrisinho que tenta esconder a vergonha, mas os olhos não mentem. Foram os olhos que me contaram antes mesmo dela dizer qualquer coisa: “eu não me reconheço mais”.

Uma rotina automatizada e sem prazer

Elis trabalhava como professora de ensino infantil em dois períodos. A rotina era puxada e, como boa parte de nós, ela deixava sua própria fome e saúde sempre para depois. Café da manhã improvisado com o que dava tempo. Almoço? Raramente. E o jantar? Geralmente era um pacote de bolacha ou uma pizza congelada.

“Eu vivia dizendo que não tinha tempo, mas a verdade é que eu tinha perdido o vínculo comigo mesma. A geladeira em casa era um depósito de ultraprocessados e culpa congelada”, contou ela.

Quando a saúde começou a cobrar a conta

Foi depois de uma síncope no meio da sala de aula que Elis percebeu que algo precisava mudar. Os exames vieram com um combo tenebroso que muitos de nós conhecemos: sobrepeso, resistência à insulina, colesterol elevado. A cereja do bolo? Um diagnóstico de ansiedade moderada que virou um convite pra ela rever tudo. Absolutamente tudo.

O dia em que Elis arrumou a geladeira — e a cabeça

Foi numa tarde de domingo que ela decidiu encarar o monstro: abriu a porta da geladeira, vestiu as luvas (mentais e literais) e começou a limpar. E ali, entre um vidro de maionese vencida e uma garrafa de refrigerante pela metade, Elis teve um estalo.

“A bagunça da minha geladeira era o espelho da bagunça interna que eu vivia. Tudo ali era automático, sem intenção, sem amor. Decidi que, se eu ia mudar, ia começar por aquele espaço. A geladeira virou um símbolo, virou minha aliada”, relembra, com um brilho nos olhos que só quem já atravessou o deserto sabe ter.

A reinvenção do afeto pela comida

A transformação não foi fácil. Nada que envolva cuidar de si é. Mas Elis não estava sozinha. Ela buscou acompanhamento nutricional, fez terapia e começou um processo de reeducação alimentar que não tinha nada a ver com “seguir dieta”, mas sim com enxergar sua rotina como um espaço de escolhas possíveis e carinhosas.

Planejamento semanal: o “mapa do tesouro”

Elis criou o que ela chama de “mapa do tesouro da semana”: um planejamento simples, com receitas práticas e uma lista de compras focada em ingredientes reais. Nada de gourmetizações inalcançáveis—estamos falando de arroz integral, feijão, cenoura, frango desfiado, banana, ovos e couve.

  • Domingo à noite: ela separa 2 horas para preparar marmitas da semana
  • Segunda a sexta: leva lanches de frutas e oleaginosas
  • Na geladeira: tudo é rotulado com data e pequenos bilhetes dela para ela mesma

“Me lembro de ter escrito num dos potinhos: ‘isso aqui é amor em forma de abóbora’. Eu ri na hora, mas era verdade. Pela primeira vez, eu cozinhava para alguém que eu finalmente estava aprendendo a respeitar — eu mesma.”

Autoestima vai além do espelho

O emagrecimento aconteceu, sim. Elis perdeu 11kg em 6 meses. Mas o mais impressionante mesmo foi o que ela ganhou: autonomia, leveza, e um jeito doce e determinado de se olhar no espelho de novo.

E ela faz questão de frisar: “Não foi sobre o peso, Cláudia. Foi sobre parar de me negligenciar. Eu mereço me alimentar bem como qualquer outra pessoa. Comer bem deixou de ser algo que ‘só os fitness fazem’. Comer bem é um direito meu.”

Confiança que transborda para outras áreas da vida

Hoje, ela divide suas marmitinhas no intervalo com outras colegas. Organiza oficinas de alimentação consciente para os pais dos seus alunos e descobriu um prazer genuíno em cozinhar aos finais de semana.

“A geladeira agora é cheia de comida colorida, desses potinhos que alegram quando a gente abre a porta. Eu abro e penso: ‘tá tudo bem’. Porque realmente está.”

Dicas da Elis para quem quer começar

Se você está começando ou pensando em mudar seus hábitos alimentares, Elis deixa quatro dicas simples, mas poderosas:

  1. Comece pequeno: troque um dia da semana por uma refeição planejada — depois você aumenta.
  2. Planeje com realismo: cozinhar não precisa ser um fardo. Faça preparos simples que você saiba que vai conseguir manter.
  3. Cuide da sua cozinha como um templo: é ali que muita coisa vai começar a mudar.
  4. Seja gentil: vai ter dia que você vai querer o brigadeiro. Coma, aproveite. E siga em frente.

Um lembrete para quem esqueceu de si

Talvez a história da Elis te lembre um pouco a sua. Ou da sua vizinha. Ou da sua mãe. A verdade é que todas nós, em algum momento, esquecemos de quem somos para alimentar o que esperam da gente. Mas é possível voltar. Sempre é.

Elis voltou pelo caminho da geladeira. E olhe… não é que deu certo?

Se sua saúde está pedindo socorro, não ignore. E se sua autoestima parece ter feito as malas, talvez seja hora de visitar a cozinha. Quem sabe o que você encontra ali.

Como Elis diz: “Planejar a comida foi só o começo. O principal foi reaprender a me colocar na lista de prioridades da minha vida.”

Publication date:
Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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