Como os alimentos da sua infância influenciam sua saciedade
Como os alimentos da sua infância influenciam sua saciedade
Quem nunca suspirou ao sentir o cheiro de arroz soltinho com ovo frito e tomate refogado, que atire a primeira colher. A verdade é que nossas memórias alimentares, especialmente da infância, moldam muito mais do que nossas preferências: elas influenciam diretamente a forma como nosso corpo e nossa mente reagem à comida — inclusive quando o assunto é saciedade.
Eu sou a Juliana Rocha Alves, nutricionista de gente real com fome de comida de verdade. E hoje a gente vai conversar sobre como o que colocavam no nosso prato lá atrás, na infância, impacta a nossa relação com a comida hoje. Spoiler: tem mais psicologia e biologia no prato do que você imagina.
O que é saciedade, afinal?
Antes de entender como as memórias da infância entram nessa equação, vale esclarecer o que é saciedade. Ela é a sensação de plenitude que aparece após uma refeição — aquele momento em que seu corpo diz “obrigada, estou bem por enquanto”. É diferente de não sentir fome, viu? Ficar sem fome pode ser só distração, mas a saciedade vem de uma refeição nutritiva, completa, que sinaliza para o cérebro que já temos o necessário por agora.
Essa sensação depende de fatores como:
- Composição nutricional da refeição (proteínas, fibras, etc.)
- Textura e variedade da comida
- Ritual da alimentação (comer com atenção, mastigar bem)
- Aspectos subjetivos: memórias, emoções, contexto
E é aí que entra aquele pedaço de bolo de fubá da sua avó ou o pão com manteiga crocante que você comia antes de ir pra escola. A comida é química, mas também é afeto.
Alimentação afetiva e o cérebro emocional
Quando falamos de infância, falamos de uma fase de vida em que o nosso cérebro está em formação e altamente impressionável. Os sabores, cheiros e experiências sentidos naquele período gravam memórias potentes — especialmente se conectados a emoções intensas, sejam boas ou ruins.
Sabe aquela comida “confortável”? Não é por acaso. O cérebro associa certos alimentos com segurança, carinho, amor. Isso tudo forma a chamada memória alimentar afetiva. Ela influencia nossas escolhas e o quanto nos sentimos saciados ao comer determinado alimento, mesmo que ele não seja nutricionalmente “perfeito”.
Efeitos de longo prazo na saciedade
Agora vem a parte interessante: estudos mostram que nosso corpo pode se habituar a determinados níveis de saciedade baseados no que viveu na infância. Por exemplo:
- Se você comia sempre em excesso porque era incentivado a “limpar o prato”, pode ter aprendido a se sentir “cheio” só quando exagera.
- Se cresceu com refeições ricas em carboidratos simples (como pães e biscoitos), pode ter desenvolvido menos sensibilidade à saciedade gerada por proteínas ou fibras.
- Se teve uma alimentação emocional (exemplo: doce como recompensa), pode confundir saciedade físico-nutricional com satisfação emocional.
Tudo isso molda os seus receptores de fome e saciedade e influencia o comportamento alimentar na vida adulta.
Efeitos das “comidas de infância” no dia a dia
Uma tigela de leite com achocolatado e bolacha pode não trazer um perfil nutricional equilibrado, mas talvez traga um conforto psicológico tão significativo que induz saciedade. Não pela lógica do estômago, mas pela da alma. E sim, isso conta — principalmente em contextos de fome emocional.
Mas isso é bom ou ruim?
Depende. A alimentação é algo que vai além de nutrientes. E reconhecer o valor emocional dos alimentos da infância pode ser, inclusive, terapêutico. O problema acontece quando:
- Você depende exclusivamente desses alimentos para se sentir satisfeita(o)
- Ignora sinais reais de fome e saciedade por padrões aprendidos
- Regride para padrões alimentares infantis em momentos de estresse (famosa “compulsão no final do dia”)
Nesse caso, é importante buscar estratégias de reeducação alimentar e emocional — e isso inclui fazer as pazes com as memórias sem se escravizar a elas.
Reaprendendo a sentir saciedade com comida de verdade
Agora vem a parte prática, do jeitinho que eu gosto: como podemos, com consciência, usar os aprendizados da infância a nosso favor e reprogramar a saciedade de maneira mais eficiente e nutritiva?
1. Resgate afetivo com ajustes sensoriais
Sinta-se livre para reimaginar pratos da infância com composições mais equilibradas. Que tal um “leite com achocolatado” feito com cacau puro, aveia e uma pitada de canela? Isso ativa a memória afetiva e, ao mesmo tempo, promove saciedade real com fibras.
2. Observe o que te satisfazia antes (e agora)
Perceba quais alimentos te davam prazer na infância. Era a textura? O aroma? A sensação de acolhimento? A resposta pode ajudar a montar refeições que te saciem através do paladar e da emoção — sem precisar recorrer ao exagero ou aos ultraprocessados da nostalgia.
3. Crie novos rituais de conforto
Almoço de domingo sem stress, café da manhã preparado com calma ou cozinhar com alguém que você ama. Isso constrói novas memórias seguras e confortáveis — e reprograma sua mente para encontrar saciedade emocional com mais saúde e consciência.
Sim, a culpa não é sua (mas a escolha é)
Se toda vez que você sente tensão vai direto no brigadeiro ou no pão francês com manteiga da infância, saiba que existe um caminho de autocompaixão necessário. Suas escolhas, muitas vezes, são respostas naturais a aprendizados profundos.
Mas também saiba: é possível ressignificar. A comida da infância não precisa ser excluída — ela pode ser celebrada, entendida, transformada. E, com o tempo, seus sinais de saciedade podem se alinhar com seu corpo e sua história.
Comer com consciência não é comer “perfeito”. É comer com escuta, presença e respeito pelas raízes. Como diz uma das minhas frases favoritas: o que a gente sente, a gente digere melhor.
Conclusão
Os alimentos da sua infância influenciam sim a sua saciedade, e isso é completamente natural. Mas você tem o poder de ajustar esse radar — sem eliminar afetos, e sim adicionando consciência. A saciedade não está só no que você come, mas em como você se relaciona com a comida.
E aí? Bora fazer as pazes com a criança que habita em você e alimentá-la com respeito, sabor e propósito?
Com carinho e verdade no prato,
Juliana Rocha Alves
Nutricionista que ama falar de comida como memória, saúde e afeto.
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