Baixou o colesterol e subiu a autoestima: o impacto do SUS na vida de Kátia, técnica de enfermagem

Baixou o colesterol e subiu a autoestima: o impacto do SUS na vida de Kátia, técnica de enfermagem

Era manhã de segunda-feira em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, quando conheci Kátia Souza, 47 anos, técnica de enfermagem na rede pública há quase duas décadas. Cabelos cacheados, jaleco azul claro e um sorriso largo de quem já debateu de frente com a vida algumas vezes. “Ei, Cláudia, você gosta de café com adoçante ou açúcar?”, me perguntou antes mesmo de sentarmos para conversar.

Eu, Cláudia Regina dos Santos, que também sou filha dessa máquina viva chamada SUS, fui ali pra entender mais do que está nos prontuários. Fui ouvir a história real de quem venceu o colesterol alto, a balança descontrolada e o cansaço crônico com algo raro nos dias de hoje: acolhimento público e gratuito, com humanidade.

O susto: quando o corpo começa a gritar

Em 2021, Kátia pesava 94 quilos. “Nada parecia grave até a dor no peito chegar. Achei que era só ansiedade”, conta ela. Entre plantões puxados e cuidados com os pais idosos, o autocuidado ficava para depois.

Com histórico de doenças cardiovasculares na família, ela decidiu procurar o posto de saúde do bairro Boaçu. Foi atendida pela equipe da Estratégia de Saúde da Família, que solicitou exames de rotina. Veio o alerta: colesterol total em 278 mg/dL, triglicerídeos nas alturas e um LDL (“colesterol ruim”) de assustar cardiologista.

“Foi um soco na alma. Eu, que cuido de tanta gente, estava me matando aos poucos sem perceber.”

O SUS que acolhe: mais do que remédio, cuidado integral

Kátia foi encaminhada para um acompanhamento multidisciplinar dentro do próprio posto: nutricionista, educador físico, fisioterapeuta e psicólogo. Sim, o SUS tem tudo isso – e com qualidade, quando as políticas públicas são devidamente aplicadas.

“Na primeira consulta com a nutricionista, me senti envergonhada. Mas ela me acolheu dizendo que comer é também uma forma de emoção. A partir dali, tudo começou a mudar.”

Ela passou a frequentar dois grupos ofertados pela unidade:

  • Grupo de Reeducação Alimentar: encontros quinzenais para aprender sobre porções, troca de alimentos e estratégias para evitar excessos.
  • Grupo de Caminhadas: atividade semanal orientada por um educador físico e um técnico de enfermagem, com foco em saúde cardiovascular.

“A primeira caminhada foi sofrida. Eu ficava por último, bufando. Hoje sou eu quem ajuda a puxar o ritmo!”

Os números que mudaram e a autoestima que apareceu

O processo foi lento – e real. Nada de promessas milagrosas ou pílulas da moda. Foram doze meses de mudança gradual, respeitando o ritmo do corpo e as possibilidades emocionais.

Com orientação nutricional e exercício físico regular, Kátia eliminou 18 quilos. O colesterol total baixou para 189 mg/dL e a circunferência abdominal – que era de 104 cm – caiu para 89 cm.

“Meu médico me abraçou na última consulta. Ele disse que eu escapei de um infarto por pouco”, conta com os olhos rasos d’água. “Mas o mais bonito foi usar calça jeans sem sentir que estou me apertando para caber no mundo.”

A relação com o espelho também mudou

Antes, ela evitava se olhar. “Me via apagada, sem vaidade. Hoje passo lápis no olho e ando de batom vinho nos plantões. Passei a me ver de outro jeito, sabe?”

Na última confraternização da clínica, Kátia foi homenageada como “Exemplo de Superação”. Segundo os colegas, ela inspira não só pacientes, mas também outros profissionais que convivem com o sobrepeso silencioso.

Multiplicando o cuidado: quem cuida da saúde, também cuida dos outros

Inspirada por sua própria travessia, Kátia começou a facilitar rodas de conversa sobre obesidade e saúde mental na unidade. Ela não é psicóloga, mas compartilha sua vivência com empatia e verdade.

“Não falo pra emagrecer por aparência. Digo que o peso somado ao estresse cobra caro da gente. O corpo avisa. Se a gente não escuta, ele grita.”

Ela ressalta que o segredo está no combo:

  1. Alimentação baseada em comida de verdade
  2. Atividade física prazerosa e possível
  3. Acompanhamento emocional contínuo

“E tudo isso eu consegui pelo SUS. Se eu tivesse que pagar, não teria feito. Eu sou prova viva de que o sistema único pode sim salvar uma vida aos poucos, sem internação nem UTI.”

Kátia hoje: leveza no corpo e força na voz

Dois anos depois do susto, Kátia é outra. Com voz firme e riso fácil, ela virou referência na sua unidade. Abriu uma conta no Instagram para dividir receitas, dicas de bem-estar e pequenos relatos da rotina de uma técnica de enfermagem que decidiu cuidar de si para continuar cuidando dos outros.

“Frita menos, refoga mais. Dorme cedo, respira fundo. Sorri. Às vezes, chora. Tudo faz parte de estar viva”, diz em um dos seus vídeos diários, com mais de 7 mil visualizações.

A autoestima que subiu junto com a saúde não veio de cremes nem de cirurgias, mas da mudança interna que vem com o reconhecimento de si mesma.

Por um SUS que transforma

O que a história da Kátia nos mostra é que o emagrecimento, quando parte do cuidado integral, se torna um processo de autovalorização e não de punição. O Sistema Único de Saúde tem potencial não só para tratar doenças, mas para devolver aquela centelha de alegria que tanta gente achava que tinha apagado.

Em tempos de desinformação e promessas perigosas nas redes sociais, ouvir histórias reais como a da Kátia é um sopro de esperança. Ela prova que é possível emagrecer com dignidade, saúde e apoio público.

“Nem todo mundo vai virar modelo, mas todo mundo pode virar protagonista da própria história. E a minha, agora, tem muito mais cor, ritmo e batom”, finaliza ela, já se levantando animada para seu próximo plantão.

Histórias como a de Kátia inspiram a mudança coletiva

Se você chegou até aqui e se viu em alguma parte do relato da Kátia, saiba: não está só. Seu corpo é casa, não castigo. Cuidar dele não é vaidade, é urgência.

Procure a unidade de saúde do seu território. Converse. Pergunte. O cuidado começa com a escuta – e o SUS está aí, apesar de tudo, para te ouvir. E, sim, para te ajudar a viver melhor.

Publication date:
Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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