Como o déficit calórico afeta suas funções hormonais
Como o déficit calórico afeta suas funções hormonais
Você decidiu emagrecer — parabéns! Cortou calorias, montou uma dieta com a ajuda de um aplicativo, ou quem sabe até consultou um nutricionista. E eis que surge uma surpresa: apesar da disciplina, do déficit calórico diário e da balança baixando, você se sente exausto, mal-humorado e a libido desapareceu. O que está acontecendo?
Sou Dr. Álvaro Menezes da Silva, médico endocrinologista com mais de 20 anos de atuação clínica e pesquisador nas áreas de metabolismo e emagrecimento. Hoje vamos explorar, com ciência e clareza, como o déficit calórico — essa estratégia de ouro para perder peso — pode influenciar profundamente o funcionamento dos seus hormônios.
Entendendo o que é déficit calórico
Comecemos pelo básico (e obrigatório): déficit calórico significa que você está consumindo menos calorias do que gasta. Essa diferença negativa obriga o corpo a recorrer às reservas energéticas — principalmente a gordura — para suprir suas necessidades.
Essa abordagem, indiscutivelmente eficaz para perda de peso, também é um estressor fisiológico. Quando o corpo percebe que está “faltando” comida, ele desencadeia adaptações hormonais para garantir a sobrevivência. E é aí que a coisa complica.
A orquestra hormonal sob efeito do déficit calórico
Seu corpo é uma máquina impressionantemente adaptável. Hormônios são como maestros que comandam orquestras de reações biológicas. Quando a ingestão de energia cai por períodos prolongados, o corpo ativa mecanismos para poupar energia. Traduzindo: ele desacelera tudo o que não seja essencial para sobreviver.
Leptina: o hormônio da saciedade que diminui
A leptina é produzida pelas células de gordura. Sua principal função? Informar ao cérebro que há energia de sobra e que você está alimentado. O problema é que, quando você perde gordura e reduz sua ingestão calórica, os níveis de leptina despencam.
O resultado? Mais fome, menos saciedade, metabolismo mais lento. É como o corpo dizendo: “Ei! Você está emagrecendo. Vou te deixar com mais fome para evitar isso!”.
Grelina: o gremlin da fome aumenta
Do outro lado temos a grelina, que sinaliza a fome. Estudos mostram que, em dietas hipocalóricas prolongadas, os níveis de grelina aumentam consideravelmente. Na prática, você passa a sentir mais fome mesmo depois de comer. Uma combinação perigosa.
Hormônios tireoidianos: o motor começa a desacelerar
O sistema da tireoide – com destaque para os hormônios T3 e T4 – regula sua taxa metabólica basal. Durante o déficit calórico, principalmente em períodos largos ou em dietas extremas, os níveis de T3 (triiodotironina) caem significativamente.
Isso reduz sua queima calórica em repouso e gera sintomas como:
- Cansaço constante
- Frio inexplicável
- Constipação
- Dificuldade de concentração
Sim, seu corpo deliberadamente pisa no freio.
Cortisol: o hormônio do estresse entra em cena
O cortisol, liberado em situações de estresse, também aumenta sob déficit calórico prolongado, especialmente se combinado com excesso de exercícios físicos. E apesar de ser necessário para manter a glicose no sangue, níveis cronicamente elevados têm efeitos negativos, como:
- Maior catabolismo muscular (perda de massa magra)
- Aumento da gordura abdominal
- Desregulação do sono e do humor
Testosterona e estrogênio: a queda da libido (e mais)
Para homens e mulheres, o déficit calórico prolongado impacta negativamente os hormônios sexuais. Em homens, há redução significativa da testosterona, e em mulheres, do estrogênio e progesterona.
As consequências hormonais dessa queda incluem:
- Diminuição da libido
- Perda de força muscular
- Alterações menstruais (em mulheres)
- Maior risco de perda óssea
A natureza é sábia: se o corpo entende que estamos em “crise energética”, ele prioriza a sobrevivência em detrimento da reprodução.
Déficit calórico é inimigo?
De forma alguma. Sem déficit calórico, não há emagrecimento. O problema está na dose, duração e contexto. Dietas muito restritivas por longos períodos causam essas alterações hormonais com maior intensidade e frequência.
O ideal é respeitar um déficit moderado e inteligente, utilizando abordagens cíclicas que permitam pausas e realimentações periódicas (famosos refeeds ou diet breaks), especialmente em programas de longa duração.
Além disso, estratégias como ingestão adequada de proteína, prática de exercício resistido e acompanhamento profissional ajudam a preservar a massa muscular e minimizar alterações hormonais.
Como manter o equilíbrio hormonal durante o emagrecimento
1. Não exagere no corte calórico
Déficits de 15% a 25% abaixo da necessidade total já são suficientes para estimular a queima de gordura sem agredir tanto os sistemas hormonais.
2. Consuma proteínas suficientes
Além de preservar massa magra, a proteína ajuda a equilibrar leptina e grelina, aumenta a saciedade e tem efeito térmico superior.
3. Durma bem
Privação de sono aumenta grelina, reduz leptina e eleva cortisol. Quer emagrecer com saúde? Durma pelo menos 7-8 horas por noite.
4. Não faça dietas restritivas por tempo indeterminado
Inclua períodos de manutenção calórica para recuperação hormonal e proteção metabólica.
5. Treine com inteligência
O treino deve estimular — e não esgotar. Musculação é fundamental para preservar testosterona, massa magra e aumentar o metabolismo basal.
Conclusão: corpo em equilíbrio emagrece melhor
O déficit calórico é uma ferramenta poderosa, mas como qualquer remédio, exige posologia e supervisão. Em tempos de dietas da moda e restrições radicais, entender o impacto hormonal do emagrecimento é essencial para obter resultados sustentáveis.
Quer perder gordura e manter a saúde intacta? Aprenda a respeitar seus sinais corporais, escolha estratégias sustentáveis e trabalhe com um plano alimentar personalizado.
O emagrecimento ideal não é o mais rápido, mas o que respeita o seu corpo — e os hormônios agradecem.
Até a próxima,
Dr. Álvaro Menezes da Silva
Endocrinologista e pesquisador em metabolismo humano
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