De faxineira a maratonista: a trajetória de Suzy, que começou com caminhada entre um ônibus e outro

De faxineira a maratonista: a trajetória de Suzy, que começou com caminhada entre um ônibus e outro

Se alguém me dissesse, dez anos atrás, que aquela moça suada, subindo correndo a ladeira pra não perder o ônibus das 18h17, seria maratonista, eu teria respondido: só se for maratona de novela! Mas eu teria errado feio — e com gosto. Porque a Suzy provou que não tem tempo ruim quando uma mulher decide dar conta de si mesma. Ela começou entre um ponto de ônibus e outro e hoje coleciona medalhas e quilômetros como quem coleciona causos. Vem comigo que vou te contar esse enredo que daria uma bela minissérie.

Começo de tudo: o desespero de quem vive correndo, literalmente

Suzy Cristina Matos, 39 anos, baiana de sorriso largo e gargalhada que ecoa quarteirão adentro, começou a correr antes mesmo de pensar em “vida fitness”. “Corria era da vida mesmo, minha fia”, ela me contou, de avental florido, interrompendo uma panela de feijão no fogo. Faxineira desde os 17, Suzy passou por mais casas do que a maré dá em pedra. Ela limpava mansões durante o dia e, à noite, corria — não na esteira, mas atrás do tempo que teimava em escapar.

“O horário do ônibus era apertadíssimo. Se eu perdesse o das 17h52, só outro depois de 40 minutos. Aí já sabe, né? Chegava tarde, cansada, sem jantar, sem nada. Eu comecei a andar mais rápido, depois trotar… quando vi, estava correndo adoidada, com a sacola de produtos de limpeza batendo na perna.”

Da maratona do cotidiano para os treinos de verdade

O pulo do gato veio numa dessas coincidências que só acontecem com quem vive com o coração desavisado. Um dia, atravessando a Avenida Bonocô em Salvador, Suzy esbarrou (literalmente!) em Tânia, uma corredora veterana que, vendo a desenvoltura da moça e o fôlego que ela tinha (mesmo puxando uma bolsa de 5kg com desinfetante), propôs um convite ousado: “Quer treinar comigo?”. Suzy topou sem saber exatamente onde estava se metendo. E ainda bem.

Começou devagar, com as roupas que tinha, o tênis velho e o sorriso no rosto. O treino era antes do trabalho, às 5h da manhã. Depois vinha o batente nas casas, e à noite? Panela, roupa de menino, marmita pro outro dia. “Teve dia que fui dormir abraçada com gelo na batata da perna, mas fui. Era a minha horinha comigo mesma.”

Coragem não se compra — nem se finge

Com seis meses de treino leve, Suzy participou da sua primeira corrida de rua. Cinco quilômetros sob sol de rachar côco e público animado. Terminou em 38 minutos e saiu de lá chorando feito final de novela. “Eu nunca tinha terminado nada só pra mim. Aquilo foi um troféu sem ser medalha, sabe?”

O reconhecimento veio aos poucos. Um vizinho presenteou com um tênis novo. Um dos patrões compartilhou a história dela nas redes. E logo vieram convites para participar de provas maiores, incentivo para alimentação melhor (com os ingredientes que dava), e até um grupo no WhatsApp: “As Corredoras do Sertão”, onde mulheres da comunidade trocavam dicas, motivação e receitinhas de suco verde.

Mudança física — e de mentalidade

Suzy conta que o emagrecimento veio como consequência. Ela nunca fez dieta mirabolante. Fez o que dava. Reduziu fritura, olhou com mais carinho para as saladas e aprendeu a fazer “pão de batata-doce que não chora no forno”. Perdeu 18kg em um ano, mas ganhou leveza na mente: “Eu saí do automático. Sabe? Aquela coisa de só trabalhar e voltar… Eu me vi.”

Claro que teve altos e baixos. Teve momento de querer desistir, de sentir que não pertencia ao universo das leggings justas e whey protein. Mas Suzy encontrou sua força na rotina mesmo. Na insistência. No suor diário que, se antes era de faxina, hoje é de superação.

Atualmente, ela corre 42 km com a mesma energia de limpar um apê em duas horas

Prestes a completar 40 anos, Suzy já correu três maratonas oficiais. Centenas de corridas de rua. Inspira outras mulheres da comunidade e mantém uma rotina rígida — tudo anotado num caderninho azul, com bilhetes tipo “lembrar de alongar” e “não esquecer de acreditar”.

Além do esporte, passou a dar pequenas palestras em escolas públicas sobre autoestima, saúde da mulher e — olha só que reviravolta! — como incorporar atividade física em rotina puxada. Suzy virou símbolo não por ter nascido com os dois pés no pódio, mas por mostrar que a largada verdadeira é interna.

Dicas de Suzy para quem quer começar

Não pedi só a história. Pedi também os macetes. Porque uma mulher dessas não guarda segredo jogado. Olha só as dicas que ela deixa pra quem quer se mover, mas não sabe por onde:

  • Não espere o momento perfeito: Vai agora, com o que tem. Até chinelo vira tênis quando o coração tá pronto.
  • Comece pequeno: Caminhada de 15 minutos já muda o dia.
  • Não se compare: Olhe pra frente, mas sem se esmagar com a jornada dos outros.
  • Respeite seu corpo: Se hoje não deu, amanhã é outro dia. O importante é não parar.
  • Leve alegria com você: “Eu corria cantando, pra não sentir dor. Cantava Pabllo Vittar, Ivete… a vizinhança achava que era micareta.”

Uma maratona chamada vida

Histórias como a da Suzy nos lembram que força não é só músculo. É fé, paciência e, principalmente, vontade. De cuidar de si, de mudar, de vencer a inércia. Ela começou entre dois ônibus e hoje ensina que o destino real não é o lugar, mas quem a gente vira no caminho.

Numa sociedade que muitas vezes invisibiliza mulheres como Suzy — negras, trabalhadoras, sem tempo nem recurso —, é preciso gritar com orgulho: ela chegou lá. Correndo.

E você, já amarrou o tênis hoje?

Publication date:
Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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