Ex-sedentária, atual corredora de rua: Arlete mudou sua história aos 52 anos

Ex-sedentária, atual corredora de rua: Arlete mudou sua história aos 52 anos

Em um mundo que parece girar depressa demais, onde o tempo escorre pelos dedos como areia, Arlete descobriu que recomeçar não é um ato de ousadia, mas de amor — amor próprio. Aos 52 anos, após décadas de sedentarismo, ela amarrou os cadarços, respirou fundo e deu seu primeiro passo em direção a uma nova versão de si mesma: mais leve, mais forte e, acima de tudo, mais feliz.

Um histórico comum, mas uma decisão rara

Arlete Maria Souza, professora aposentada e mãe de três filhos adultos, sempre teve aquela rotina típica que muitas mulheres brasileiras conhecem bem: trabalho, casa, família. Entre a marmita que esquentava para os filhos e os boletos que nunca atrasavam, o tempo para si mesma sempre foi espremido até não caber mais.

“Eu achava que fazer caminhada era coisa de quem não tinha o que fazer. Até rir hoje da minha ignorância”, ela brinca, enquanto ajeita o boné azul-marinho que já foi lavando tanto que perdeu a cor original. “Eu me achava velha demais para exercícios, até que minha pressão gritou e o médico me deu aquele olhar que diz tudo sem dizer nada.”

O susto que virou virada de chave

Aos 51 anos, Arlete recebeu o diagnóstico de hipertensão. Nada muito fora do radar para sua faixa etária, segundo o médico. Mas, para ela, aquilo acendeu um alerta. O histórico da família não era dos melhores: pai diabético, mãe com obesidade severa, duas irmãs com colesterol alto. Com 1,62 de altura e 84 kg, Arlete sabia que carregava uma bomba-relógio interna.

“Eu sempre fui aquela que deixava pra amanhã. Só que, naquele dia, percebi que meus amanhãs estavam curtíssimos.”

Foi então que, com o incentivo da filha mais nova, Marília, ela decidiu caminhar “uns 20 minutinhos por dia”. Mal sabia que, do ritual singelo dos tênis no portão, nasceria uma paixão avassaladora por corrida de rua.

Primeiro, o corpo estranhou. Depois, agradeceu

No começo, cada passo parecia uma maratona. Cansaço, dor nas pernas, preguiça — tudo se alinhava pra sabotá-la. Mas Arlete, teimosa que só ela, decidiu confiar no processo. Procurou vídeos no YouTube, entrou em um grupo de caminhada do bairro e descobriu que não estava sozinha.

“A Maria do Açougue, que é minha vizinha, começou junto comigo. A gente reclamava, ria da dor, depois ria da gente rindo da dor. Foi terapêutico.”

Seis meses depois, ela já caminhava 5 km sem sentir um sufoco. O peso começou a descer devagar, o humor melhorou a olhos vistos e o sono, antes tão frágil, passou a ser aquele sono gostoso, que abraça a gente.

Do andar ao trotar, e do trotar à corrida

Durante uma caminhada de rotina, Arlete viu um grupo de corredores se preparando para uma prova de rua na cidade. Os rostos animados, os tênis coloridos e o clima de superação mexeram com ela. “Pareciam adolescentes, felizes, livres… me deu vontade de sentir aquilo também.”

Ela pesquisou sobre corrida para iniciantes. Seguiu um planinho bem básico — alternava minutos de caminhada com trotes leves e, em poucas semanas, ganhou fôlego e confiança. Dez meses após seu primeiro passo na calçada do bairro, Arlete cruzava a linha de chegada de sua primeira corrida oficial: uma prova de 5 km. Ela chegou por último da categoria, mas com os olhos marejados e o coração transbordando coragem.

O peso que saiu e o que ficou

Hoje, aos 52 anos, Arlete é 16 kg mais leve, mas enfatiza que a mudança de verdade foi interna. “A balança virou só um detalhe. Eu quero viver mais e melhor. Quero dançar com meus futuros netos, viajar sem ficar cansada, amar meu reflexo no espelho.”

Com alimentação mais equilibrada, acompanhamento médico e treinos regulares, ela também deixou de tomar remédios para pressão e melhorou o colesterol.

  • Reduziu o IMC de 32 para 26
  • Passou de 84 kg para 68 kg
  • Conquistou autonomia física
  • Ganhou autoestima e disposição

Mas não é só físico: é emocional também

Como educadora aposentada, Arlete sempre teve afeto pelos livros e pelas boas histórias. Agora, ela se vê protagonista de uma narrativa inspiradora — uma mulher comum que, um dia, resolveu calçar o tênis e mudar tudo.

“Eu não virei atleta profissional. Não tô atrás de medalha, tô atrás de mim mesma. E tô me reencontrando a cada corrida.”

Além disso, ela já inspirou outras cinco mulheres do seu antigo grupo de WhatsApp da escola a começarem a caminhar três vezes por semana. E todas elas dizem a mesma coisa: “Se a Arlete conseguiu, por que eu não posso tentar?”

Conselhos de quem saiu do sofá direto para uma prova de rua

Arlete adora compartilhar aprendizados. E deixa três conselhos pra quem ainda está no meio da dúvida e do desânimo:

  1. Comece pequeno, mas comece: “Não espere motivação. Vá com medo, com preguiça, mas vá.”
  2. Não compare sua jornada com a de ninguém: “Você não precisa correr 10 km. Caminhar no seu ritmo já é uma grande vitória.”
  3. Celebre cada conquista: “Valorize quando conseguir fazer 1 km sem parar. Quando subir uma escada sem ofegar. Cada passo conta!”

O futuro? Tem corrida, saúde e mais vida pela frente

Arlete agora se prepara para sua terceira prova oficial. Sua filha, que a incentivou lá no começo, corre ao lado dela. As duas chamam seus treinos de “nossas sessões de terapia ambulante”.

Ela ainda mora no mesmo bairro simples da periferia de Jundiaí (SP), ainda ama pão na chapa com café, mas agora com requeijão light e caminhada de recompensa depois. Ela é exemplo não por ter vencido uma maratona, mas por ter vencido a si mesma.

“Nunca é tarde pra mudar. O corpo pode estar enferrujado, mas a alma sabe o caminho.”

Difícil não acreditar nela.

Publication date:
Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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