Favelado também emagrece: histórias que não aparecem na propaganda da dieta

Favelado também emagrece: histórias que não aparecem na propaganda da dieta

Eu sou a Cláudia Regina dos Santos. Tenho 38 anos, sou mãe de três, moradora do Complexo do Alemão, e falo com propriedade sobre o que é ser favelada, preta, periférica e ainda ter a ousadia de querer saúde e corpo leve num sistema que empurra a gente pro cantinho, longe da mesa farta e do bem-estar que passa na TV.

Quando falam de emagrecimento, geralmente mostram a mesma figura: branca, com tempo livre, grana pra comprar tudo low carb do mercado e fazer consultoria com nutricionista funcional. Mas e a gente? A gente que pega dois ônibus pra trabalhar, fica na fila do postinho, faz render a comida do mês com criatividade e fé… Será que não pode sonhar com um corpo saudável também?

Hoje vou contar algumas histórias reais de gente que nem sempre entra na conversa sobre saúde e bem-estar. Gente real como eu e você, que mora em lugar onde academia é artigo de luxo, mas ainda assim decidiu se levantar e mudar. Não só pelo corpo, mas pra provar que nosso lugar também é nessa mesa.

Nem todo mundo emagrece com snack de grão-de-bico

Vamos falar de realidades. Em muitos lares da periferia, a prioridade é encher o bucho. E isso não é vergonha – é sobrevivência. Então quando vejo dieta da moda falando pra cortar o arroz e o feijão, fico pensando: será que eles sabem que tem dias que isso é TUDO o que a gente tem pra comer?

A verdade é que dá pra emagrecer sem cair nesse papo elitista. Não precisa comer quinoa cultivada no Himalaia nem fazer yoga na varanda gourmet às 7 da manhã. Mas precisa de outra coisa: resiliência. E isso a gente tem de sobra.

Dona Tereza e a caminhada que virou protesto

A Dona Tereza tem 62 anos, é aposentada e mora em Paraisópolis. Em 2021, decidiu começar a caminhar todos os dias depois que o médico disse que a pressão dela tava alta. A única avenida do bairro é movimentada, lotada de carros, barulho e gente. Mas, mesmo assim, ela botou o chinelo no pé e foi.

“No começo, mexiam comigo. Diziam que eu tava perdendo tempo, que tava velha demais pra ‘isso’. Mas eu ia mesmo assim. Comecei a caminhar por saúde, mas agora virou resistência. Todo dia que ando aqueles dois quilômetros, tô dizendo que a favela também quer viver mais e melhor.”

Com oito meses de caminhada, Dona Tereza perdeu 11 quilos. Ela trocou o refrigerante por água com limão, adaptou as receitas e aprendeu como fazer bolo de banana sem açúcar. Tudo sem gastar mais, só com criatividade e força de vontade.

Mateus: Corpo novo, autoestima reinventada

Mateus tem 27 anos e é motoboy. Antes da pandemia, ele comia na rua todos os dias, virava noite no corre e não dava bola pra alimentação. “Minha marmita era pastel e coca”, brinca. Mas depois que viu que tava ficando cansado demais e com dores nos joelhos, resolveu mudar.

Começou assistindo vídeos gratuitos no YouTube de treinos em casa. Transformou um pedaço da laje em academia improvisada com cabo de vassoura e garrafão de água. No almoço, passou a levar marmita com arroz, feijão, legumes e um ovo. Cortou o refrigerante e trocou o pão de manhã pela batata-doce que a mãe fazia.

Seis meses depois, perdeu 15 quilos. “Mais do que peso, perdi vergonha de mim. Antes eu me escondia. Agora, me olho no espelho e sorrio. O que mudou foi meu olhar sobre mim mesmo. Isso não se compra com dinheiro.”

A favela quer viver mais – e com saúde

É preciso dizer com todas as letras: corpos favelados também merecem saúde. A mídia ainda invisibiliza a gente quando o assunto é bem-estar. Mas isso está mudando – e vai mudar mais ainda quando a gente mesma erguer a voz.

O emagrecimento na quebrada vem com sacrifício, sim, mas também com criatividade. A gente transforma quintal em espaço de treino, garrafa pet em peso, troca receita com a vizinha, faz mutirão no grupo da igreja pra juntar grana e levar as crianças pra aula de dança.

Coisas que a periferia ensina sobre emagrecimento

  • O que importa é consistência, não perfeição: perder peso não é sobre seguir à risca uma dieta cara, é sobre persistir nas escolhas possíveis.
  • A comida de verdade tá na base da nossa cultura: arroz, feijão, abóbora, banana, couve e ovo podem ser alimentos potentes.
  • Movimentar o corpo não precisa de academia: dá pra dançar, pular corda, subir escada e criar treinos sem equipamento.
  • Fortalecer a mente é parte do processo: muitas vezes, a mudança começa dentro, não fora. Reconhecimento, amor-próprio e autoestima são parte do tratamento.

Por que essas histórias importam

Essas histórias não são exceção – são parte de uma revolução silenciosa acontecendo dentro das comunidades. Uma revolução que não aparece na propaganda da dieta detox nem no outdoor da academia caríssima do Leblon. Mas que tá acontecendo no asfalto quente da nossa rua, na laje, na cozinha apertadinha com cheiro de alho no ar.

Quando eu escrevo “favelado também emagrece”, não é pra chocar, não. É pra lembrar: nós também temos direito à saúde, à autoestima, ao autocuidado e à vida longa. Podemos não estar nos padrões comerciais, mas estamos criando nossos próprios caminhos, com dignidade, pés no chão e vontade de viver mais – e melhor.

Conclusão: o corpo é nosso, a luta também

Emagrecer quando se é pobre, preto, favelado, é um ato político. É dizer que a gente se importa com a gente, mesmo quando o mundo parece não se importar. E cada quilo perdido, cada passo dado naquele campinho de terra batida, é uma vitória nossa – da periferia pra ela mesma.

Então da próxima vez que vir uma propaganda vendendo saúde como produto de luxo, lembra dessas histórias. Gente simples, comum, mas gigante em coragem. Porque sim, favelado também emagrece – e quando isso acontece, o mundo precisa prestar atenção.

Publication date:
Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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