‘Minha avó me ensinou que comer bem é resistir’: memórias afetivas no processo de reeducação alimentar

‘Minha avó me ensinou que comer bem é resistir’: memórias afetivas no processo de reeducação alimentar

A cozinha da minha avó tinha cheiro de afeto. Canela, alho frito no óleo quente, o perfume suave do feijão borbulhando na panela de barro. Era ali, sentada no banco da mesa de madeira antiga, que eu aprendia – sem saber – que comer bem era muito mais do que seguir uma dieta ou contar calorias: era um ato de resistência, de amor e de identidade. Hoje, no caminho da reeducação alimentar, é pra essa lembrança que volto quando quero desistir.

Olá, eu sou Cláudia Regina dos Santos, jornalista de gente, contadora de causos reais e mulher que já brigou bastante com a balança. Na editoria Histórias Reais e Reportagens Humanizadas da SlimUp, te convido a sentar comigo nessa mesa de saudade pra lembrar que, às vezes, o que falta na sua alimentação saudável é um pouco de memória afetiva.

Comer bem não é comer pouco: é comer com sabedoria

Minha avó, Dona Nair, nasceu e cresceu no interior de Minas Gerais. Mulher forte, da roça, que acordava antes do sol pra tirar leite da vaca e terminava o dia com os pés no chão e as mãos no fogão. Nunca ouvi essa mulher falar em calorias ou carboidratos. Mas ela dizia uma coisa que virou minha filosofia de vida: “Filha, comer bem é resistir à pressa e abraçar o tempo.”

Ela não comprava alimentos ultraprocessados porque eles nem chegavam na mercearia do bairro. Fazia o próprio pão, ralava coco no ralador de ferro e cozinhava abóbora com casca. Nada era desperdiçado. Hoje, a ciência chama isso de alimentação consciente e sustentável, mas pra ela era só jeito de viver.

A culpa não mora no prato

Por muito tempo, me senti culpada por comer. Eu, que cresci no colo da vó, ouvi frases como “não come isso que engorda”, “essa comida é bomba calórica”, “você precisa ter força de vontade”. Perdi as contas de quantas dietas fiz, de quantas vezes chorei em frente ao espelho e jurei que seria “diferente na segunda-feira”.

Mas foi no prato simples da minha infância que reencontrei a resposta: o problema não era a comida, era a relação que fui construída com ela. A reeducação alimentar me ensinou a acolher, não punir. A lembrar que arroz com feijão bem temperado é mais nutritivo do que qualquer barra industrializada com nome em inglês.

Memórias como ponto de partida

Se você também carrega lembranças da sua avó, da sua mãe ou daquela vizinha que fazia o melhor bolo do bairro, vai entender o que quero dizer. A reeducação alimentar não precisa ser uma ruptura com o passado. Pelo contrário: ela pode – e deve – começar por ele.

Experimente resgatar suas lembranças afetivas e usar isso a seu favor:

  • Recrie receitas tradicionais com ingredientes mais nutritivos
  • Mantenha o ritual das refeições em família – sem celular, sem pressa
  • Use a comida como ponte para histórias, não como punição
  • Aprenda sobre o valor cultural dos alimentos que sempre fizeram parte da sua mesa

Eu adaptei o cuscuz da minha avó: reduzi o óleo e incluí frango desfiado no meio. Mantive o sabor, ganhei mais proteína e continuei abraçada à memória.

Resistência tem sabor de comida de verdade

Hoje é fácil cair na tentação de resolver tudo com um aplicativo e um clique. É rápido, é prático, sim. Mas a comida de verdade, aquela que nutre corpo e alma, exige envolvimento. E isso é um ato político, social e pessoal. Cozinhar e comer com intenção é uma forma de resistir à pressa, ao excesso de industrializados e à cultura da estética acima da saúde.

Claro que posso falar com leveza hoje, mas houve dor nesse caminho. O sofrimento com o peso, com a autoestima, com o medo de ser julgada. Por isso, resgatar a história da minha avó e da alimentação como um afeto virou um mecanismo de cura. Não é sobre romantizar chavões antigos, mas sobre reinterpretar com carinho o que fazia sentido antes da modernidade nos atropelar.

Reeducar é reaprender a se amar

Eu não sigo nenhuma dieta restritiva. Fiz acompanhamento profissional, aprendi a ler rótulos, aumentei o consumo de vegetais e reduzi doces aos fins de semana. Mas, mais importante: parei de brigar comigo. A reeducação alimentar é sobre entendimento e continuidade, não sobre milagre.

E teve um fator que foi determinante nessa mudança: a emoção. Porque comer, quando bem feito, emociona. Lembra de quando você provou a manga no pé pela primeira vez? Ou do cheiro do arroz soltinho no domingo? São essas memórias que eu acesso toda vez que penso em desistir. Minha avó dizia: “A comida que é feita com verdade não faz mal.” Hoje eu entendo.

O que a Dona Nair me ensinou sobre nutrição – sem nunca ler um rótulo

  1. Coma comida de verdade, não ingredientes de laboratório
  2. Respeite os horários das refeições, e se possível, coma sentada
  3. Use tempero fresco, faça seu próprio molho, sinta o cheiro da comida
  4. Converse enquanto come – partilhar alimenta o espírito
  5. Nunca coma com culpa, mas com intenção

Se um nutricionista fosse à casa da minha avó, provavelmente diria que ela estava anos à frente do tempo. Mesmo sem diploma, ela sabia da importância do equilíbrio, da variedade, da qualidade. E mais: entendia que comida é terapêutica. E isso, minha amiga, vale ouro.

Conclusão: sua história também cabe no prato

Não há uma fórmula única. Cada pessoa tem seu tempo, suas memórias, seus sabores favoritos. A reeducação alimentar não precisa ser um rompimento brusco com tudo o que você viveu. Ao contrário: ela pode – e deve – ser uma reconexão com quem você sempre foi.

Resgatar o afeto na alimentação me ajudou a emagrecer, sim. Mas, mais do que isso, me ajudou a me manter firme, com prazer e autonomia. Porque comer bem não é sofrer. Comer bem é resistir, como disse minha avó. É encontrar conforto num prato de lentilha, orgulho numa salada bem colorida e paz na própria jornada.

Se você quiser, me escreve. Posso até te passar algumas receitas da Dona Nair. Mas, antes disso, minha dica é: volte pra sua cozinha preferida na sua memória. Ali, você já sabe o caminho.

Com carinho e um cuscuz no forno,

Cláudia Regina dos Santos

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Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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