O dia em que a comida virou cura: como Josy transformou compulsão em propósito comunitário
O dia em que a comida virou cura: como Josy transformou compulsão em propósito comunitário
Era uma terça-feira nublada em Campinas quando a vida de Josy resolveu mudar de direção. Mas antes de contar esse ponto de virada, precisamos entender que ninguém chega à transformação sem atravessar o caos. Joselina da Silva, conhecida carinhosamente como Josy, era o retrato de milhares de mulheres brasileiras: trabalhadora, mãe solo de dois filhos, dona de uma risada escandalosa e apaixonada por pão francês com manteiga. Mas, por trás do sorriso largo, ela escondia uma guerra silenciosa: a compulsão alimentar.
Um amor que virou prisão: a relação de Josy com a comida
Aos 34 anos, Josy já havia tentado de tudo. Dieta da sopa, do jejum, da lua, do abacaxi, até o tal chá dos milagres. Fazia academia por impulso e culpava o universo por cada escapada calórica.
“Eu achava que comida era minha melhor amiga. Acolhia meus medos, minhas frustrações, minhas solidões. Só anos depois eu entendi que era uma relação abusiva disfarçada de afeto”, ela me contou, com os olhos marejados e um sorriso maturado pelo tempo.
Josy buscava conforto nos alimentos ultraprocessados como quem busca colo: biscoitos recheados, refrigerantes, salgadinhos, fast-food. Mas o que era alívio se tornava culpa, e a culpa voltava acompanhado de mais comida. Um ciclo. Um loop. Uma armadilha emocional e biológica.
O diagnóstico que ninguém quis dar, mas o espelho entregou
“Certa manhã, fui colocar um vestido antigo e… não entrou nem até os ombros. Me olhei no espelho e parei. Desatei a chorar — mas não pelos quilos. Pelo que eu permiti que a comida fizesse com minha história”, relembra Josy.
Foi nesse momento que ela se permitiu procurar ajuda. Consultou uma nutricionista comportamental, fez terapia e, com o tempo, caiu na real: não se tratava de focar no peso, mas sim na dor que estava anestesiando com comidas. Era compulsão alimentar — um distúrbio sério, muitas vezes invisibilizado por olhares apressados.
A virada: da dor pessoal ao propósito coletivo
Durante o processo de reeducação alimentar e autoconhecimento, Josy teve uma ideia ousada. Ao perceber quantas mulheres à sua volta viviam dilemas parecidos — entre fogões, jornadas pesadas e pratos cheios de culpa — ela decidiu abrir um grupo de apoio. E assim nasceu o projeto “Mesa Viva”.
Mesa Viva: alimento pra alma, escuta pro coração
O Mesa Viva começou pequeno: cinco mulheres se encontrando numa sala emprestada da associação de moradores, para conversar toda quarta-feira à noite. O que era pra ser uma troca informal virou um espaço de verdadeira transformação.
- Compartilhavam receitas saudáveis e acessíveis;
- Levantavam pautas sobre autoestima e gordofobia;
- Praticavam escuta empática, sem julgamento;
- Faziam atividade física leve em grupo;
- Dividiam insumos de alimentação orgânica recebidos de parceiros locais.
O segredo? Ninguém ali era especialista. Eram apenas mulheres reais, encontrando força umas nas outras. Com o tempo, nutricionistas, psicólogas e educadores físicos se voluntariaram para apoiar o projeto.
Comida como aliada, e não inimiga
Josy não virou musa fitness. Longe disso — e ela nem queria. Desmitificou o “shape ideal” e passou a focar na saúde alimentar, no equilíbrio emocional e, principalmente, na autonomia das escolhas. “Eu aprendi que comer não é crime. O que adoece é o excesso, o esconderijo, o vazio não dito”, afirma, com orgulho.
Hoje, o Mesa Viva atende 60 mulheres por mês, com fila de espera. “A meta é formar lideranças locais pra replicar o modelo em outros bairros”, conta Josy, que já planeja estruturar uma cooperativa de marmitas saudáveis feitas por mulheres em processo de recuperação alimentar.
Transformação que transborda
E não parou por aí. Além do impacto direto nas participantes, Josy começou a ser convidada para rodas de conversa em escolas públicas, ONGs e igrejas. Sua história virou matéria jornalística, caso de estudo acadêmico e tema de palestras sobre alimentação emocional e protagonismo feminino.
Ela também criou um perfil no Instagram, onde compartilha receitas simples, relatos de superação e dicas de como romper ciclos de compulsão. O perfil já ultrapassou os 20 mil seguidores, e os comentários são uma chuva de mensagens do tipo:
“Josy, você salvou minha autoestima!”
“Obrigada por mostrar que a cura existe mesmo fora dos padrões.”
“Te sigo porque você é gente como a gente!”
Com leveza, bom humor e verdades nuas, Josy virou inspiração. Sua risada escandalosa? Continua ecoando — só que agora como sinfonia de vitória coletiva.
Para além da balança: uma jornada de reconciliação
Estatísticas indicam que cerca de 3,5% da população brasileira sofre com transtorno de compulsão alimentar, segundo dados da Associação Brasileira de Estudos da Obesidade (ABESO). Mulheres são as mais afetadas. E boa parte delas sofre calada.
Josy hoje é um contraponto a essa realidade silenciosa. Ao usar sua dor como semente de empatia, ela floresceu no terreno da ação comunitária. Seu projeto é prova viva de que, quando o acolhimento substitui o julgamento, o corpo humano responde não só com perda de peso, mas principalmente com ganho de dignidade.
Lições que Josy trouxe pra mesa
- Comida é afeto, não castigo.
- Autoamor alimenta mais que carboidrato.
- Solidariedade emagrece culpas.
- Comunidade cura feridas antigas.
Se você se viu um pouco na história da Josy, talvez seja hora de rever como anda sua relação com a comida — e mais importante: com você mesma.
Palavra final de Cláudia Regina
Escrever sobre a Josy me desmontou algumas vezes. Lembrei da minha mãe, da vizinha da frente, das tias, das colegas de infância que cresciam falando “se eu fosse mais magra, seria mais feliz”. Quantas de nós ainda acreditam nisso?
A boa notícia é que a história da Josy está aí para provar que felicidade não tem tamanho, e sim direção. E às vezes, a direção passa por uma mesa compartilhada, uma escuta honesta, e um prato cheio de propósito.
Deixe um comentário