‘Perdi peso, ganhei respeito’: a transformação de Djalma, motoboy que hoje fala sobre saúde em escolas

‘Perdi peso, ganhei respeito’: a transformação de Djalma, motoboy que hoje fala sobre saúde em escolas

“Eu achava que ser gordo era só um problema meu, até descobrir que meu corpo falava antes da minha boca abrir”, conta Djalma, 36 anos, ex-motoboy e hoje palestrante sobre saúde e bem-estar em escolas da periferia de São Paulo. Sua história é daquelas que a gente não só lê, mas sente. Porque é feita de carne, suor, dor, banana com aveia e superação. Muito mais que sobre emagrecer, é sobre resgatar a própria voz num mundo que costuma calar quem carrega peso demais — no corpo ou na alma.

Do sobrepeso à invisibilidade: o começo de tudo

Djalma cresceu no Capão Redondo, zona sul de SP, onde o que não falta é luta — e onde sobra preconceito disfarçado de piadinha. Desde pequeno, ele já ouvia de tudo:

  • “Se correr, emagrece, hein!”
  • “Motoboy? Tá mais pra motobicho-preguiça!”
  • “Não cabe nessa jaqueta, parça, pega uma GG, GG de gor-du-re-sen-to.”

Aos 32 anos, com quase 130 quilos distribuídos em 1,72m, Djalma era mais que um estereótipo: era quase uma caricatura involuntária de si mesmo. As dores no joelho surgiram, a pressão subiu, e o sono virou uma roleta russa — ora vinha com apneia, ora fugia como cliente depois da entrega errada. Mas o que mais doía não era no corpo.

“Eu sumia nas entrevistas. As pessoas olhavam pra mim e já decidiam: ‘Esse aí é preguiçoso’. Esqueciam que eu passava 10 horas por dia na moto pra pagar conta como todo mundo.”

A gota d’água: o olhar do próprio filho

Se a injustiça machuca, o afeto é o estopim. Djalma conta que tudo começou num domingo qualquer, quando o filho de oito anos apontou a barriga dele e perguntou:

“Pai, você vai morrer se ficar desse tamanho?”

“Foi como levar uma voadora no peito, e sem capacete”, ele brinca. “Ali eu percebi que eu não queria mais sobreviver — eu queria viver. E ensinar meu filho o que é isso também.”

Começar do fundo do poço (com wi-fi e um pouco de vergonha)

A mudança começou simples. Djalma foi procurar vídeos no YouTube com títulos do tipo: “Como emagrecer sem dinheiro”, “Dieta pra pobre”, “Treino sem academia”. Ria dos vídeos, e ria de si mesmo tentando imitar os treinos no quintal apertado.

“Minha vizinha achava que eu tava possuído pulando igual louco às 6 da manhã. Mas era eu tentando fazer polichinelo sem abrir as pernas porque a bermuda já era a última que cabia.”

Mas passo a passo, quilo a quilo, veio o progresso. Primeiro, cortar o refrigerante. Depois, trocar o pastel na lanchonete por tapioca em casa. Em seis meses, menos 18 kg. Em um ano e meio, menos 42 quilos.

Mascar chiclete não mata fome: as dificuldades reais de quem enfrenta a balança

Pessoas como Djalma carregam muito mais do que gordura corporal. Carregam o estigma, o olhar atravessado, e o eterno “por que você não fecha a boca e resolve?”.

“Eu fiz mil dietas malucas. Já tentei comer só sopa, só ovo, até só água com limão. Nenhuma funcionava porque eu não entendia o porquê das minhas escolhas. A comida me fazia companhia nas entregas solitárias. Ela me dava prazer quando o mundo me tirava os pequenos prazeres.”

A virada de chave foi entender que mudar o corpo era consequência de mudar a mente. E buscar ajuda: leu livros, seguiu perfis de nutricionistas, começou a fazer caminhadas e, sempre que podia, conversava com quem mostrava respeito e queria escutar.

“Hoje eu tenho cicatriz no estômago, mas costura no coração também. Fui aprendendo a me conhecer — e aceitar que errar faz parte.”

Da moto para o microfone: o novo Djalma

Em 2023, Djalma foi convidado por uma ex-professora da EMEF onde seu filho estuda para contar sua história aos alunos. A palestra foi um sucesso. Logo veio outro convite, e mais outro. Em poucos meses, trocou o capacete pelo microfone.

Hoje, ele visita escolas públicas como voluntário ou convidado de programas educacionais promovendo um papo reto sobre:

  • Saúde no cotidiano da quebrada
  • Como comida e autocuidado não são “coisa de rico”
  • O poder da disciplina sem romantizar a dor

“Eu falo a língua dos moleque da laje. Se você chega com blusa de manga e palavras difíceis, ninguém escuta. Mas se você mostra que já teve vergonha de se olhar no espelho também, eles prestam atenção.”

Transformar a dor em voz: a missão de Djalma

Mais do que quilos perdidos, Djalma ganhou algo raro: escuta. Hoje ele tem quase 40 mil seguidores em uma rede social onde posta vídeos sobre comida saudável, dicas simples e reflexões bem sinceras. Sem prometer milagre, sem fazer da dor um espetáculo.

“Eu não sou coach. Sou pai, sou ex-gordo, sou ex-dorminhoco de plantão. Me respeitam hoje não porque eu fiquei fino, mas porque eu me tratei com respeito primeiro.”

Cláudia por Cláudia: o que aprendo com histórias como a do Djalma

Conhecer o Djalma foi como reencontrar aquele parente que todo mundo julgava e ninguém ouvia. Histórias como a dele me lembram porque eu amo contar histórias: porque elas são espelho e farol ao mesmo tempo.

O emagrecimento de Djalma nunca foi o fim, mas o meio. O início de um homem que hoje inspira crianças, jovens e adultos mostrando que respeitar o próprio corpo é só o primeiro passo pra respeitar a própria história. Perdemos peso. Ganhamos Djalma.

Publication date:
Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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