Por que a balança engana: retenção hídrica, glicogênio e variações normais
Por que a balança engana: retenção hídrica, glicogênio e variações normais
Você acorda, vai até o banheiro, sobe na balança e… a desgraçada resolveu subir 1,2 kg de um dia pro outro. O seu cérebro entra em curto-circuito: “Comi direitinho ontem! Corri 5 km! O que está acontecendo?”. Calma, respira fundo e me acompanha: a ciência por trás da balança é mais traiçoeira do que parece.
Eu sou o Dr. Álvaro Menezes da Silva, médico nutrólogo com especialização em fisiologia do emagrecimento e um certo gosto peculiar por desmontar mitos destrutivos da cultura do peso. Hoje, vamos entender por que a balança não é a deusa suprema da sua jornada de perda de peso e o que está fervilhando nos bastidores do seu metabolismo quando os números oscilam sem lógica aparente.
O peso corporal é um dado bruto e mal-educado
Antes de mais nada, vamos combinar uma coisa: a balança está medindo peso total, não gordura corporal. Isso inclui massa muscular, ossos, órgãos, líquidos, glicogênio, ar nos pulmões, comida no estômago e até a tristeza acumulada da segunda-feira.
Por isso, o número da balança varia o tempo todo — mesmo entre manhã e noite — e muitas vezes não reflete sua real evolução. A seguir, vamos destrinchar os três principais vilões dessa ilusão de peso: retenção hídrica, glicogênio muscular e variações fisiológicas normais.
Retenção hídrica: o balde d’água invisível
O corpo humano é uma verdadeira represa ambulante. Cerca de 60% do nosso peso é composto por água. E essa água não está parada: ela entra e sai dos tecidos o tempo todo, regulada por inúmeros fatores hormonais e nutricionais.
Por que retemos líquido?
- Consumo de sódio: alimentos industrializados, enlatados ou muito salgados fazem com que o corpo retenha água para diluir o excesso de sal.
- Ciclo menstrual: mulheres costumam reter mais líquido nos dias que antecedem a menstruação, por influência de estrogênio e progesterona.
- Estresse: aumentos no cortisol (hormônio do estresse) favorecem a retenção hídrica.
- Exercício intenso: treinos puxados rompen fibras musculares e o processo de reparo exige mais líquidos nos tecidos.
Ou seja, aqueles 2 quilos a mais podem ser apenas água estacionada nos seus tecidos. Isso não é gordura e, mais importante ainda, é transitório.
Glicogênio: o combustível que pesa
Outro fator que bagunça sua relação com a balança é o queridíssimo glicogênio: a forma como o corpo armazena carboidratos para uso rápido em atividades físicas e exigência energética.
Como o glicogênio afeta o peso?
Ao consumir carboidratos (pães, frutas, arroz, legumes), boa parte deles é convertida em glicogênio e estocada nos músculos e no fígado. A pegadinha é que a cada grama de glicogênio armazenado, armazenamos até 3 gramas de água.
Portanto, se você reintroduziu carboidratos após cortar por uns dias, seu peso pode subir 1 a 3 kg rapidamente — e isso é só glicogênio + água. Nada de gordura. Nada de culpa.
E mais: quem treina e está ganhando massa muscular também tende a armazenar mais glicogênio. É sinal de adaptação metabólica positiva, não um retrocesso.
Oscilações diárias e fisiológicas normais
Ainda temos o terceiro eixo da nossa equação: a variabilidade natural do peso corporal. O corpo vive se autorregulando. Temperatura, digestão, volume de alimento ingerido e eliminação de líquidos influenciam o peso ao longo do dia.
Variações possíveis de um dia para outro:
- Ingestão aumentada de fibras (forma “massa” no intestino)
- Alimentação noturna mais volumosa (peso da comida antes de ser digerida)
- Desidratação (perde-se peso, mas não gordura)
- Noites mal dormidas (atrapalham metabolismo e retenção de líquidos)
Tudo varia. Você também varia. E está tudo bem.
Como monitorar seu progresso de forma inteligente
Insistir em olhar a balança todos os dias pode gerar ansiedade, frustração e decisões impulsivas como cortar calorias demais ou desistir do programa de emagrecimento.
Quer dados reais? Veja além do peso:
- Tire medidas corporais semanalmente (cintura, quadril, coxa, braço).
- Observe roupas: estão mais folgadas? Isso vale ouro.
- Use fotos de progresso: mesmo peso, corpos diferentes.
- Cheque a composição corporal com bioimpedância ou outros exames (de preferência com orientação profissional).
- Observe sinais internos: sono, energia, humor, digestão e conforto no próprio corpo.
Lembre-se: a gordura corporal não sai aos baldes em 24 horas. Ela responde a semanas e meses de consistência. A balança é só uma ferramenta, não a sentença final.
Conclusão: o peso oscila, a ciência explica
Subir na balança é um hábito arraigado na cultura do emagrecimento. Mas ao invés de temê-la ou adorá-la, é hora de contextualizar os números. Retenção hídrica, glicogênio e variações fisiológicas fazem parte do pacote.
Você não está perdendo controle. Está vivendo o funcionamento normal do seu corpo dinâmico, complexo e absurdamente inteligente.
Como sempre digo nos consultórios da vida: se a balança fosse confiável, não precisaríamos de médicos, nutricionistas e cientistas. Bastava uma farmácia e uma pilha AA.
Foque em mudanças sustentáveis, escute seu corpo e entenda que, no fim do dia, a única coisa que precisa cair não é seu peso — é sua ansiedade em relação a ele.
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