Quanto custa comer bem no sertão? A história de Antenor e seu roçado de mudança

Quanto custa comer bem no sertão? A história de Antenor e seu roçado de mudança

Antenor não aparece em revistas de gastronomia, muito menos está nos vídeos que ensinam a fazer salada gourmet com azeite importado. Ele também não tem delivery. Mas se você quiser aprender como comer bem — de verdade — com o que o chão oferece, pode começar sentando com ele debaixo do pé de umbuzeiro.

Essa história não começa no mercado nem numa feira orgânica, muito menos no açougue cheio de carnes embaladas a vácuo. Começa com um homem e sua enxada. Antenor tem 57 anos, mora em Canindé de São Francisco, no sertão de Sergipe, e aprendeu a plantar com o pai, que aprendeu com o avô, que por sua vez nunca teve nome nos livros de história. Só que Antenor decidiu fazer diferente. E é aí que essa história — e essa mudança — começa.

Comer bem: muito além da geladeira cheia

Para Antenor, comer bem nunca foi sobre fartura, foi sobre consciência. Ele cresceu vendo a mesa da família se adaptar às chuvas e à seca. Quando chovia, tinha feijão de corda novo, macaxeira fresca, milho assado com manteiga de garrafa. Quando não chovia, a criatividade entrava em campo: farinha com mel, sopa de folha, chá de folha de laranja-brava. Ninguém passava fome, mas havia limites — e nisso havia aprendizado.

“Hoje, o pessoal quer arroz de jasmim, vinho chileno, sal rosa, mas aqui a gente planta cheiro-verde, coentro, cebolinha. E a gente come bem é disso mesmo”, diz Antenor com o tipo de sabedoria que não vem do Google — vem da roça.

O roçado de mudança

Foi há cinco anos que Antenor decidiu mudar tudo. Vendeu duas vacas leiteiras e oito ovelhas para investir num tipo de plantio que muitos diziam não vingar no sertão: agroecologia. Nada de veneno, nada de adubo químico. Só a terra, o adubo de gado, as mãos calejadas dele e das duas filhas, que hoje tomaram gosto e seguem ajudando depois da escola.

Hoje, seu roçado tem:

  • Tomates pequenos, duros e saborosos
  • Abóboras que ele espanta os passantes pelo tamanho
  • Pimentas de cinco tipos
  • Feijão de três cores diferentes
  • Além de hortaliças que ele vende na feira semanal

“Antes eu gastava mais com remédio agrícola que com comida. Agora gasto mais tempo, mas ganho saúde. A minha e a de quem compra”, afirma com um sorriso curtido de sol.

O custo de comer bem no sertão

Não é só uma pergunta de dinheiro. É de tempo, de disposição e, principalmente, de decisão. Mas, vamos aos números, porque Cláudia Regina aqui adora um caderninho com contas reais:

Investimento inicial de Antenor

  • Venda das vacas e ovelhas: R$ 6.000
  • Compra de sementes agroecológicas e ferramentas: R$ 1.800
  • Montagem de um sistema de irrigação simples por captação de chuva: R$ 3.200
  • Total: R$ 5.000 (ele ainda guardou um pouco para emergência)

Segundo ele, esse valor foi o suficiente para começar. Hoje, suas vendas na feira ajudam a manter a casa, pagar a luz, a internet das meninas e até estudar mais sobre o cultivo agroecológico com cursos online gratuitos do site da Embrapa.

Na prática: quanto custa a comida da casa dele?

É aí que a gente entende a real mudança. A maior parte da alimentação da família vem da própria terra. A lista de compras do mercado tem basicamente sal, sardinha, arroz e sabão. O resto é colhido ali mesmo, no quintal vivo de Antenor. Vamos comparar?

Custo mensal médio da alimentação no sertão (família de 4 pessoas)

  1. Famílias que dependem de mercado: R$ 850 a R$ 1.000
  2. Família de Antenor, com roçado orgânico: R$ 250 a R$ 300

Mais do que economia, é liberdade de não depender dos preços que sobem e descem de acordo com o mercado lá do sul, onde nem sabem o que é umbu-cajá.

Educação alimentar feita na prática

As filhas de Antenor não só ajudam no roçado, como também cozinham. Aliás, a gente pode dizer que elas são as “chefes” daquela gastronomia sertaneja que mistura cheiro-verde, carne de sol e feijão de corda com um toque de amor de filha: “elas não cozinham só pra alimentar, cozinham pra honrar o que sai da terra,” diz ele, com os olhos entregando orgulho.

Assim, a alimentação saudável deixou de ser um privilégio caro. Virou cultura que passa de pai pra filha, de irmã pra irmã.

Comer bem é acessível?

Depende do que você chama de “acessível”. Para muita gente, a resposta está no pacote pronto, congelado, da prateleira. Para Antenor, está no que ainda brota, mesmo quando a seca diz que não dá. Está em usar sementes crioulas, em cuidar da terra com respeito e colher só o necessário.

Tem custo? Tem. Mas o principal investimento não é em reais, é em tempo, conhecimento e, acima de tudo, em mudança de mentalidade. Por isso, ele batizou o roçado de “Mudança”. Um lembrete diário de que dá pra fazer diferente — e melhor.

Inspiração que brota da terra

Numa visita breve ao seu pedaço de chão, a gente sai alimentada — não só no estômago, mas nas ideias. Porque a história de Antenor mostra que comer bem pode (e deve) ser simples, acessível e com significado.

Numa conversa ao pôr do sol, ele me olhou depois de servir uma garapa feita de cana colhida na hora e disse com aquele jeito de sertanejo filosófico: “Comida não é só o que enche a barriga, dona Cláudia. É o que firma o pé da gente no chão.”

E assim voltamos à pergunta do título: quanto custa comer bem no sertão? Custa disposição, coragem e um tanto de alma. Mas no roçado de mudança de Antenor, o retorno é diário: nasce em folha, brota em coentro e se espalha em conversa boa ao redor da mesa de barro batido.

Publication date:
Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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