Sou negra, gorda e saudável: e daí se não emagreci pra agradar padrão nenhum?

Sou negra, gorda e saudável: e daí se não emagreci pra agradar padrão nenhum?

Numa sociedade que tenta o tempo todo nos empurrar goela abaixo um padrão de corpo, cor, cabelo e até comportamento, resistir é revolucionário. E eu, Cláudia Regina dos Santos, trago hoje mais do que uma história: trago um manifesto de carne, osso, pele retinta e curvas generosas. Porque é isso que sou: negra, gorda e saudável. E tudo bem se isso não agrada a quem ganha dinheiro com nosso descontentamento.

O corpo como campo de batalha

Cresci ouvindo que eu precisava “me cuidar”. Só que “se cuidar”, no vocabulário popular, nem sempre quer dizer autocuidado. Muitas vezes é sinônimo de se moldar. Ouvir frases como “você tem um rosto tão bonito, se emagrecesse um pouquinho…” era rotina. Era como se meu corpo, por ser maior do que a média, invalidasse todas as outras qualidades que eu pudesse ter.

Agora junta a equação: mulher, negra e gorda. Três em um. Não sou padrão em nada. Mas, ironicamente, foi aí que encontrei liberdade. Quando percebi que jamais seria aceita por esse “ideal” branco, eurocêntrico e photoshopado de beleza, descobri que agradar a mim mesma já era ato suficiente. E revolucionário.

Corpo gordo não é sinônimo de doença

Muita gente, ao ver uma mulher gorda se dizendo saudável, corre pra sacar o argumento do IMC. Mas vamos com calma, Brasil. Estudos diversos já mostram que o Índice de Massa Corporal sozinho não é o melhor indicador de saúde. E eu tô aqui como prova viva disso.

Me alimentando bem, fazendo meus exames regularmente, praticando atividade física e sem nenhuma comorbidade. Ainda assim, tem sempre alguém pronto pra gritar “mas e seu colesterol?” assim que me vê comendo um pedaço de bolo. Mal sabe que meu colesterol tá ótimo, obrigada. E o da blogueira fitness que toma suco detox e suplemento até pra respirar? Ninguém pergunta, né?

A rotina de quem não vive pra agradar os outros

Acordo cedo, mas não pra correr 10 km. Acordo porque gosto de aproveitar o dia. Sigo minha agenda, que inclui reuniões, textos, leituras e claro, momentos de lazer. Sim, dá pra estar acima do peso padrão e viver uma vida produtiva e feliz.

Não vivo em função da dieta. Como comida de verdade, bebo água, cuido da mente. Meu “lifestyle” não é um anúncio de shake milagroso, nem propaganda de suplemento caríssimo. É só uma vida comum, regida pelo bom senso e o autoconhecimento do meu próprio corpo.

O peso do racismo estético

Ser mulher negra no Brasil significa, muitas vezes, lutar duas vezes mais pra ser vista como humana. Adiciona à equação o corpo gordo, e aí a gente vira invisível ou alvo de piada. A mídia, os aplicativos de namoro, as marcas de roupa: tudo moldado pra excluir o corpo como o meu. Um corpo que, por muito tempo, me ensinaram a odiar.

Mas o que a sociedade não esperava é que a gente ia aprender a amar exatamente o que disseram que era errado. E que, de quebra, ainda ia ensinar isso a outras mulheres. Porque amor-próprio não é moda. É terapia, é leitura, é troca, é jornada. E nem sempre é linear.

Uma vida fora do antes e depois

Se tem uma estética que me cansa é essa do “antes e depois”. Como se só existisse caminho válido quando há perda de peso envolvida. Como se a felicidade morasse na balança. Mas te garanto: ter um corpo gordo e uma vida feliz são coisas perfeitamente compatíveis. E indiscutivelmente reais.

Meu maior “antes” foi emocional. E meu “depois” também. Antes, eu acreditava que precisava emagrecer pra ser digna de respeito. Depois, descobri que respeito não se merece: se exige. E minha autoestima não deveria ser proporcional ao meu número de calça.

E o amor, como fica?

Aí vem outro clássico: “mas como alguém vai te amar com esse corpo?”. Bom, primeiro que amor não é prêmio de consolação pra quem segue padrão. Amar e ser amado é algo que todas as pessoas têm direito — e capacidade. Segundo que aprender a me amar foi o primeiro passo pra exigir ser amada direito. Não aceito menos do que reciprocidade, carinho e cuidado. Peso nenhum deveria ser justificativa pra menos. E comigo não é mesmo.

E se você também se sente assim?

Esse texto não é uma apologia ao sedentarismo, nem um “incentivo à obesidade” — como se isso existisse. É um convite à reflexão. Um chamado pra você olhar pro seu corpo com mais humanidade. Entender que ser saudável é multifatorial: físico, mental, emocional, social. E que ninguém tem o direito de medir sua saúde só com os olhos.

Se você é uma mulher gorda, negra, cansada de ser só resistência e querendo viver, sorrir, amar e comer sua feijoada em paz, saiba que você não tá sozinha. Cada vez mais mulheres estão rompendo o silêncio, saindo dos bastidores e mostrando que existir fora dos padrões não é falha — é potência.

Pra finalizar…

  • Você não precisa emagrecer pra se amar.
  • Não existe corpo certo pra ser feliz.
  • Ser negra, gorda e saudável não é contradição — é realidade.

Se quiser emagrecer, que seja por você, nunca porque te convenceram que só assim você teria valor. Porque valor você já tem. E é enorme. Tipo manequim 54, sabe? Imenso e cheio de histórias pra contar.

Com carinho, consciência e um toque de revolução,

Cláudia Regina dos Santos

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Author: Cláudia Regina dos Santos
Jornalista investigativa com mais de 20 anos de atuação, especializada em saúde e alimentação. Com estilo empático e engajado, destaca questões sociais e estruturais, especialmente ligadas à população negra e periférica. Usa linguagem próxima e acessível para humanizar dados e estatísticas.

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